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Estima-se que cerca de 70% da Rocinha esteja acima da Cota 100. Mas nem tudo são favelas nessa porção de cidade que segue avançando abusivamente sobre as encostas dos morros cariocas. De acordo com uma pesquisa divulgada há cerca de uma semana pelo Instituto Pereira Passos, apenas 30% da área ocupada acima da Cota 100 pode ser definida como tal. O restante compreende edificações residenciais e comerciais de médio e alto padrão, e até um hospital. Quem diria, meu vizinho.












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Cota 100 / Não faz muito tempo fiquei sabendo, em conversa com o arquiteto Pedro Teixeira Soares (secretário municipal de Planejamento na gestão de Marcos Tamoyo), que a criação da chamada “Cota 100” é contemporânea da criação do SPHAN/Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Faz sentido: ambos são alicerçados sobre uma postura preservacionista compromissada com o controle da estética urbana por meio de aparatos jurídicos embasados em critérios nem sempre muito claros, porém marcados por um caráter irrefutável e com frequência de cunho preventivo. E não por acaso, estabelecidos no período do Estado Novo.

Não sei se a “Cota 100” foi aplicada antes noutra cidade, mas aqui, diante de uma topografia tão única, a proteção das encostas é plenamente justificável, uma vez que qualquer construção representa, por princípio, uma ameaça ao ao perfil natural das montanhas e ao meio-ambiente como um todo. O problema é que, a longo prazo, essa estratégia de preservação se mostrou uma faca de dois gumes: ao impedir construções acima de 100 metros de altitude, a “Cota 100” acabou favorecendo a ocupação irregular de vastas áreas centrais, que continuam escapando de qualquer controle (mesmo porque a própria definição de uma cota altimétrica implica uma linha imaginária difícil de ser visualizada).

Isso tem dado margem a argumentos em favor da extinção da “Cota 100”, levantados recentemente, entre outros, por Sergio Cabral. Pode-se perguntar porque o governador do Estado deveria se envolver numa discussão como essa, que diz respeito exclusivamente à esfera municipal. Mas o valor desses terrenos, cuja dificuldade de acesso é largamente compensada pelo fato de oferecem as mais lindas vistas do Rio, não deixa dúvidas de que existem muitos interesses políticos e financeiros por trás de tal proposta. O que é bastante assustador.
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Tiros em Copacabana / Tiroteios nas ruas de Copacabana, uma das principais áreas turísticas do Rio, já não surpreendem ninguém há muito tempo. A expansão das favelas, tampouco. O que o terror mais recente está revelando aos habitantes desta cidade é que, depois de chegarem ao topo dos morros, as favelas cariocas estão descendo. Do outro lado. Nos últimos dias, um grupo de traficantes em fuga que se embrenhou na mata em Copacabana provocou a suspensão das aulas em vários colégios de Botafogo e Humaitá, bairros localizados do outro lado do morro. E isso basicamente porque a favela da Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana, já está emendando com a favela que fica atrás do Cemitério São João Batista, a qual vem crescendo descaradamente há anos mas só foi “detectada” pelos técnicos da Prefeitura no ano passado, segundo informou o Instituto Pereira Passos. Ironicamente, tanto o prefeito quanto o governador estão sendo poupados de presenciar isso tudo. Ambos encontram-se em viagem pelos Estados Unidos, em seu esforço conjunto para vender a candidatura do Rio para as Olimpíadas de 2016.
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Fenômeno / Por algum motivo o site da Câmara de vereadores do Rio é mais lento do que o meu blog, mas sem pressa ele vai se atualizando. Agora mesmo tive acesso aos nomes que compõem a Comissão Especial do Plano Diretor do Rio de Janeiro: Aspásia Camargo (PV), presidente; Roberto Monteiro (PC do B), relator; Chiquinho Brazão (PMDB), Dr Carlos Eduardo (PSB), Renato Moura (PTC), Lucinha (PSDB), Jorge Bráz (PTdoB), Jorge Pereira (PTdoB) e Rosa Fernandes (DEM), membros. Pelo jeito, a Comissão é a cara do Rio: tem de tudo um pouco. Uma socióloga, um bispo da Igreja Universal e radialista, um empresário, um médico, a mãe de um dentista, um filho de portugueses e até um "Fenômeno". Arquiteto? Urbanista? O que? Para que?
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Hoje está lá, no site da Câmara Municipal: a íntegra do texto do Plano Diretor Decenal do Rio de Janeiro (Lei Complementar 16, de 04.jun.1992). No mesmo link há também outros documentos disponíveis, como a resolução plenária 1052/2006 e vários anexos. Respiro aliviada, já que a disponibilização de dados atualizados na Internet é o mínimo a se esperar de um processo que, de acordo com as diretrizes do Estatuto da Cidade, está condicionado à participação popular.
Não demoro, porém, a verificar que alguns dados estão desatualizados ou incompletos, e já começo a desconfiar de que essa nebulosidade não seja casual. Sobre a Comissão Especial instituída com o objetivo de emitir parecer sobre a revisão do Plano Diretor, por exemplo, eis o que me foi dado saber:
Presidente:
Membros:

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Sexta-feira 13 / Chove forte no Rio. As águas de março me pegam na saída de uma entrevista com o ex-prefeito Luiz Paulo Conde, que me diz que o Rio está melhorando. Quando finalmente chego em casa, encharcada, me deparo com um texto de Lima Barreto, enviado por Goebel Weyne:
"As chuvaradas de verão, quase todos os anos, causam no nosso Rio de Janeiro, inundações desastrosas.
Além da suspensão total do tráfego, com uma prejudicial interrupção das comunicações entre os vários pontos da cidade, essas inundações causam desastres pessoais lamentáveis, muitas perdas de haveres e destruição de imóveis.
De há muito que a nossa engenharia municipal se devia ter compenetrado do dever de evitar tais acidentes urbanos.
Uma arte tão ousada e quase tão perfeita, como é a engenharia, não deve julgar irresolvível tão simples problema.
O Rio de Janeiro da avenida, dos squares, dos freios elétricos, não pode estar à mercê de chuvaradas, mais ou menos violentas, para viver a sua vida integral.
Como está acontecendo atualmente, ele é função da chuva. Uma vergonha!
Não sei nada de engenharia, mas, pelo que me dizem os entendidos, o problema não é tão difícil de resolver como parece fazerem constar os engenheiros municipais, procrastinando a solução da questão.
O Prefeito Passos, que tanto se interessou pelo embelezamento da cidade, descurou completamente de solucionar esse defeito do nosso Rio.
Cidade cercada de montanhas e entre montanhas, que recebe violentamente grandes precipitações atmosféricas, o seu principal defeito a vencer era esse acidente das inundações.
Infelizmente, porém, nos preocupamos muito com os aspectos externos, com as fachadas, e não com o que há de essencial nos problemas da nossa vida urbana, econômica, financeira e social."
As Enchentes, 1915
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Plano Diretor: Objeto não encontrado / A proposta de criação das AREs, defendida pela ACRJ e colocada em discussão pelo Ministério das Cidades, tem gerado vários comentários no Posto 12 e arredores. O argumento mais forte até agora coloca em questão a necessidade de criar uma emenda constitucional, desconsiderando os instrumentos jurídicos já existentes, como os Planos Diretores e o Estatuto da Cidade.

Hélia Nacif Xavier, que foi secretária municipal de urbanismo do Rio (na gestão de Luis Paulo Conde), alertou-me então para um dado importante: o Rio de Janeiro está atualmente sem um Plano Diretor.

Como assim? Isso significa que uma cidade como o Rio está desprovida do instrumento básico exigido pela Constituição Federal de 1988, e reafirmado pelo Estatuto da Cidade, para orientar sua ordenação e desenvolvimento urbano? O processo de revisão do Plano Diretor do Rio não foi iniciado há uns 8 anos (às vésperas do vencimento do Plano decenal, instituído em 92)?

Hélia esclarece que o Projeto de Lei Complementar enviada pelo Executivo não foi votado ainda pelos Vereadores. Corro então atrás de informações atualizadas e seguras no site da Câmara Municipal do Rio de Janeiro (www.camara.rj.gov.br). Lá fico sabendo que a primeira reunião de trabalho sobre o Plano Diretor neste exercício ocorreu há apenas 3 dias, com o objetivo de “definir diretrizes para execução dos trabalhos ao longo do ano”. Será fácil encontrar estas diretrizes e tudo o mais que me interessa no link “Plano Diretor: Documentos”, deduzo. Que nada. Não contava com a mensagem que recebo, imediatamente, do computador: “Objeto não encontrado!”.


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"Choque de ordem" / Era um bar como tantos outros por aqui. Só entrei lá umas duas vezes, mas talvez voltasse um dia. Agora não volto mais. Em uma hora, se tanto, ele foi ao chão, bloqueando a principal via da Gávea em plena manhã de quinta-feira. Soube, pouco depois, que foi vítima da operação “Choque de Ordem” da prefeitura carioca. Para dizer a verdade, talvez merecesse. Afinal, como tantos outros bares e restaurantes cariocas, ele também avançava uns bons metros sobre a calçada, com simpáticas mesinhas e cadeiras que muitas vezes começam a ser instaladas nos finais de semana e logo são cercadas por paredes, cobertas por telhado, enfim... Não consegui muitos esclarecimentos com o proprietário (tinha alvará em dia? foi notificado previamente?). E desconfio de que a truculência dessas ações da prefeitura tenha mais a ver com interesses políticos do que com o desejo efetivo de ordenar o espaço urbano carioca. Mas nada justifica o argumento que ouvi do proprietário, enquanto ele tentava mobilizar os passantes, hoje de manhã: “ a senhora conhece alguma varanda regular no Rio?”
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AREs / Recebi do arquiteto Augusto Ivan de Freitas Pinheiro, ex-secretário municipal de Urbanismo do Rio de Janeiro e atual professor do CAU/PUC-Rio, um texto inédito e bastante informativo sobre as AREs/BIDs. O artigo foi escrito há dez anos, mas publicado apenas em versão resumida no Jornal do Comércio, na época. Disponibilizo-o aqui graças à colaboração da Revista Noz na hospedagem do arquivo.
http://www.revistanoz.com/posto12/augusto_ivan.pdf
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Revitalização ou Morte / O Ministério das Cidades está abrindo à discussão pública hoje, num seminário em Brasília, a proposta de emenda constitucional que visa à criação das Áreas de Revitalização Econômica (ARE).

A proposta, defendida pela Associação Comercial do Rio de Janeiro, parte do pressuposto de que a revitalização de áreas urbanas degradadas no Brasil – especialmente daquelas localizadas em zonas centrais das grandes metrópoles – só poderá ser levada efetivamente a cabo por meio de uma parceria entre a administração municipal e a iniciativa privada, nos moldes do que tem sido feito há décadas em várias cidades do mundo, de Nova York a Johanesburgo.

Segundo dados divulgados pela ACRJ, só em Nova York já estão em operação 60 BIDs (Business Improvement Districts), e há mais 12 em implantação. Na prática, o setor privado lidera e custeia a operação - que abrange várias ações voltadas para a revitalização econômica e urbanística da área, inclusive a prestação de serviços ditos complementares aos serviços públicos (intensificação da limpeza e vigilância das ruas, construção e manutenção de banheiros públicos, paisagismo etc) - , e a prefeitura se encarrega de arrecadar os recursos, ficando com 2% do recolhimento, a título de taxa de administração.

Pelo que pude apurar, a contribuição é voluntária para uns e obrigatória para outros: os moradores e proprietários de imóveis residenciais ficam isentos da contribuição, enquanto os proprietários de imóveis não-residenciais que se recusem a contribuir podem vir a ser inscritos na dívida ativa do município.

Prevê-se que o projeto piloto seja implantado já em 2010 no Rio. Mais especificamente, na área da Av Chile, no centro da cidade, onde estão instaladas grandes empresas como Petrobrás e BNDES.

Já há quem diga que se trata, no fundo, de mais um imposto – afinal, a limpeza, iluminação e segurança do espaço público já são objetos de tributos salgados, que tem crescido em ritmo assustador nos últimos anos (tive notícias recentemente de que uma casa de cerca de 1000 m2 na zona sul do Rio, que não passou por nenhum acréscimo de área nos últimos anos, teve seu IPTU multiplicado por seis, entre 2008 e 2009).

Mas também me parece que já é mais do que hora de considerar seriamente, e com a cautela necessária, iniciativas que prevêem ações conjuntas, no espaço urbano, entre as esferas pública e privada. A questão é como garantir a lisura desses processos num país como o Brasil, onde os interesses privados invariavelmente falam mais alto.
É horrível admitir isso, mas eu mesma, volta e meia, tenho ímpetos de estacionar sobre a calçada.

Posto 3 / mar 09

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Achados e perdidos / Foi aberta sexta passada e vai até 15 de abril, no Espaço Tom Jobim, no Jardim Botânico, uma exposição dos últimos “achados” do acervo de Lucio Costa, que vem sendo organizado pela Casa de Lucio Costa com patrocínio da Petrobrás. Maria Elisa, que é filha de Lucio, atual presidente da Casa e também curadora da exposição, apresenta um enxuto mas precioso conjunto de desenhos, fotos e documentos de época, além de duas maquetes de casas projetadas pelo arquiteto (Thiago de Mello e Casa sem Dono). Algumas coisas foram expostas antes, outras vêm à luz agora pela primeira vez. Dentre elas, imagens de família que se misturam a registros de cidades como Nova York, Paris e Brasília, vistas através da super-8 comprada por Lucio nos anos 30, em Nova York, enquanto projetava o Pavilhão do Brasil com Niemeyer. As imagens passam depressa – num instante o Central Park, noutro, a Villa Savoye - mas às vezes tem-se a impressão de ouvir, ao fundo, o riso das crianças, a voz de Leleta, o motor das máquinas que constróem a nova capital. Raros acervos de arquitetos cariocas tiveram a mesma sorte.