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Pedágio em Ipanema / Felipe tem 3 anos. Passeando outro dia com os avós por Ipanema, apontou intrigado para o obelisco projetado por Paulo Casé:

“Vó, isso é um pedágio?”

Não me lembro de ter ouvido melhor definição.

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Sempre tive simpatia pelos blocos, mas passei a amaldiçoá-los nos últimos anos por me fazerem presa frequente de longos engarrafamentos, sob o sol escaldante de verão. Não é tanto o barulho que me azucrina; apenas não consigo entender porque, nestes dias de Carnaval, um grupo de amigos festeiros se dá o direito supremo de fechar subitamente uma rua (ou várias) durante horas, sem permitir a passagem de uma ambulância, que dirá de um carro qualquer. Mal os foliões passam, atropelando alegremente canteiros e calçadas, o que resta é terra arrasada: as ruas transbordam de lixo e mau cheiro e tudo parece meio perdido, meio afônico. Este ano, porém, me surpreendi: os jornais noticiaram diariamente horários e circuitos dos principais blocos – informações que até o ano passado alguns deles optavam por manter em sigilo, sem nenhum remorso, para evitar um inchamento talvez inevitável. Fiquei sabendo também que a prefeitura fez uma série de exigências aos blocos, incluindo seu cadastramento antecipado (ainda nos primeiros dias de janeiro) e a instalação de banheiros químicos em seu percurso. Não é muito, eu sei, mas foi o bastante para que eu me sentisse um pouco mais cidadã em minha cidade.

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Rua Jardim Botânico, terça-feira gorda, 16:30. E daí?



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É Carnaval, e isso é tudo.
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Vila Olímpica / Finalmente descobri quem assina o projeto da Vila Olímpica: não um arquiteto qualquer, como eu temia, mas a Carvalho Hosken, uma das maiores construtoras cariocas. Isso mesmo. Numa cidade que reúne tantos exemplares arquitetônicos reconhecidos internacionalmente, hoje, grandes projetos são apócrifos. E pior: entregues a grandes empresas do ramo imobiliário que surgiram e se firmaram nas últimas décadas multiplicando empreendimentos de nenhuma qualidade arquitetônica e urbanística pela cidade.

Os dados gerais sobre a Vila Olímpica – a ser construída com financiamento do governo federal - constam do dossiê apresentado a imprensa pelo Comitê de Candidatura do Rio de Janeiro à sede das Olimpíadas de 2016, cuja versão digital está disponível desde ontem no site http://www.rio2016.org.br. Ali estão várias perspectivas do conjunto, implantação, corte e plantas das unidades. Nenhum crédito a arquitetos, porém. O projeto é simplesmente atribuído à construtora carioca, que é destacada no dossiê por ter recebido prêmio “Hors concours” em desenvolvimento urbano por seu projeto para a área da Península, também na Barra da Tijuca.

Será então que estou desinformada? Sei que Fernando Chacel dedicou-se muito ao projeto paisagístico da Península, mas sei também que ele sofreu (e sofre) muito com o rumo que o projeto tomou. Mesmo assim sinto-me na obrigação de buscar esclarecimento e consulto o site da Carvalho Hosken (http://www.carvalhohosken.com.br), onde verifico que a honraria em questão é o “Prêmio Master Imobiliário 2006”, atribuído pela Federação Internacional das Profissões Imobiliárias (FIABCI/Brasil) e o Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo (SECOVI/SP) e tido como “um verdadeiro Oscar do mercado imobiliário nacional”.

Não satisfeita, procuro informações sobre outro dos grandes empreendimentos da empresa (também na Barra, onde se concentram suas obras): o Rio2, anunciado no site da construtora como “o primeiro bairro verdadeiramente planejado da Barra”. Fico sabendo então que o Rio2 “mudou completamente os conceitos de qualidade de vida da época”, e “lançou todos os grandes diferenciais existentes hoje nos empreendimentos imobiliários da Barra - Salas VIP, hoje conceituadas por Espaços Lounge, Espaços Infantis Temáticos, hoje os chamados Espaços Kids e as imensas áreas verdes, hoje tão fundamentais no mercado imobiliário”.

Com franqueza, não me animo a avançar mais.


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Há dois anos, foi a chuva. Hoje cedo, um caminhão de lixo tombado no Túnel Rebouças, e o Rio voltou a parar. Em meio ao caos agravado pelo calor de verão, quem pôde desviou o trajeto e foi à praia. Cidade curiosa esta, onde tudo deságua no mar.
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Rio 2016 / Conforme prometido, o Comitê Rio 2016 divulgou hoje, em seu site, o projeto olímpico para o Rio. Lá estão, entre outras, as imagens da Vila Olímpica, a ser construída às margens da Lagoa de Jacarepaguá, com acesso a uma "praia exclusiva" na Barra da Tijuca. Só aí, são 34 edifícios e quase 18.000 unidades, distribuídos em 75 hectares. É mais ou menos o dobro da Vila do Pan, que continua desabitada. Mas ainda não encontrei nenhum esclarecimento sobre o projeto, que, ao que parece, nada fica a dever aos condomínios que crescem como pragas na Baixada de Jacararepaguá.
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Mapas / Passando por uma banca de jornal estes dias, deparei com mais um número da série “Arquiteturas do Mundo”, distribuída no Brasil pela revista “Arquitetura & Construção”. Tenho visto com prazer esses vídeos, em que arquitetos renomados, quase sempre franceses, apresentam cidades emblemáticas de várias partes do mundo: Nova York, Paris, Londres, Dubai, Xangai, Veneza, Brasília...Rio.

O roteiro, muito simples, propõe basicamente uma visita guiada pela cidade, procurando captar o olhar do arquiteto-anfitrião sobre a mesma: seus edifícios preferidos, suas referências pessoais, os aspectos que considera positivos e negativos. Entre um travelling e outro, a câmera se detém um instante diante de um papel em branco, sobre o qual vemos a mão desse arquiteto traçando o mapa da cidade. Nesse momento, não raro me imagino desenhando o Rio. Mas como traduzir graficamente (e planimetricamente) esta cidade, se ela não tem a retícula homogênea de Manhattan nem as diagonais de Barcelona a defini-la? Por onde começar meu desenho? Pelo chamado “centro histórico”? E onde localizá-lo? Urca, onde a cidade de fato nasceu, ou Praça XV, em torno da qual se constituiu o núcleo urbano colonial? Não, sendo a natureza aqui presente como é, sinto que devo começar por aí: mas nesse caso devo delinear primeiro a linha recortada da costa, ou os dois grandes maciços que efetivamente dividem a cidade em zonas norte e sul? Não posso é deixar de registrar a curva generosa da Baía de Guanabara - a “boca banguela” de Lévi-Strauss, com sua dentina agora careada por ilhas de lama e lixo.

Logo me dou conta de que sou incapaz de desenhar a minha cidade. E mais: que ela não se entrega a nenhuma folha de papel. Grandes cidades como Roma, Paris ou Londres cabem no meu bolso. O Rio, não. Eu, pelo menos, nunca vi um mapa turístico desta cidade que indicasse qualquer vida além da estreita faixa que vai do centro à zona sul. É como se Santa Cruz, Madureira ou Grajaú simplesmente não existissem. E isso para não falar nas favelas: essas, nem o GPS acusa, para desgraça de turistas estrangeiros que se põem a dirigir aqui, por ignorância ou insanidade.
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Olimpíadas / Não leio os jornais do Rio. Perco alguns filmes, custo a descobrir um ou outro restaurante novo. Mas pelo menos resisto, como posso, ao assédio da Globo, e não me entrego ao saudosismo diante do finado Jornal do Brasil. Além disso, gosto da idéia de ver a minha cidade por meio de outras, sobretudo quando a outra é São Paulo. Só que a distribuição dos jornais paulistas por aqui é tão ruim que muitas vezes só os leio no dia seguinte. Foi assim que fiquei sabendo, hoje cedo, que o "Rio ganhará centro olímpico mesmo sem Olimpíada" (Folha de São Paulo, caderno Esporte, p. 5). A matéria tem um tom denunciatório: “O novo complexo será construído em cima do antigo autódromo de Jacarepaguá. Mesmo local que já abriga três instalações construídas para o Pan e pouco usadas para desenvolver o esporte desde então.” Segundo o jornal, caso o Rio vença a disputa com Tóquio, Madrid e Chicago e venha a sediar as Olimpíadas de 2016, sequer o Parque Aquático Maria Lenk, “que custou R$ 75 milhões aos cofres públicos”, será aproveitado. Leio a matéria até o final, mas fico sem resposta para o que mais me interessa: quem vai projetar (ou está projetando) o centro olímpico? Gostaria de pensar que o prefeito recém-empossado terá a decência e a coragem de lançar um concurso público de projetos, o qual será conduzido de maneira exemplar pelo Instituto de Arquitetos local. Mas ninguém que tenha confiado a Secretaria de Urbanismo de uma cidade como o Rio ao engenheiro Sergio Dias (cujo currículo inclui o projeto da Vila Olímpica do Pan, aliás), poderá me fazer crer que os problemas arquitetônicos e urbanísticos desta cidade serão levados a sério. Pelo jeito, não só não haverá concurso (mais uma vez) como já temos um arquiteto escolhido, pelo menos para as novas arenas que devem começar a ser erguidas no meio do ano. Seria Carlos Porto, que assinou o projeto do “Engenhão”, também construído para o Pan? Ou Anibal Coutinho, que já investiu tanto no estudo das arenas esportivas? Ou quem sabe a própria equipe de Sergio Dias? “O valor e os detalhes do projeto serão divulgados no dia 13”, diz a Folha, "um dia após o Rio entregar seu dossiê de candidatura ao Comitê Olímpico Internacional." OK, esperarei até lá. Mas porque tanto sigilo? Será que a divulgação de um bom projeto (e/ou de um bom arquiteto) contaria contra a candidatura carioca? Erraram os japoneses, que se apressaram em declarar que pelo menos um de seus novos estádios deverá ser projetado por Tadao Ando?

Posto 2 / fev 09












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É preciso que se diga: o Rio está em ruínas. Não me refiro às ocupações irregulares que cobrem as encostas e avançam pela Mata Atlântica, ao violento processo de desindustrialização que flagela os subúrbios, nem ao completo estado de abandono em que se encontram as ruas ou praças desta cidade (aliás, com exceção do programa “Rio Cidade”, implantado - com erros e acertos - por nosso prefeito-arquiteto Luiz Paulo Conde no começo dos anos 90, não consigo me lembrar de outra iniciativa abrangente que tenha olhado para o chão da cidade).

Mas a verdade é que desde que o Rio perdeu a condição de capital federal para Brasília, os investimentos foram escasseando, as indústrias migrando, e as pranchetas foram ficando vazias de bons projetos. Alguns já chegam a admitir que o conjunto de obras mais importante desde então foi realizado pelo udenista Carlos Lacerda, primeiro governador do Estado da Guanabara (1961-65): o Parque do Flamengo, o Túnel Rebouças, a adutora do Guandu...

Hoje, para onde quer que se olhe, o que se vê é abandono. Todos os edifícios de Jorge Moreira e equipe na Ilha do Fundão foram tragados pelo desamparo contra o qual lutam as universidades federais. Um dos edifícios mais espetaculares do pós-segunda guerra - o Pavilhão de São Cristóvão, projeto de Sergio Bernardes, não voltou a ganhar cobertura desde que os cabos de aço que a mantinham em suspenso perderam a tração e foram consumidos pelo descaso e pelo fogo (ao qual veio se somar agora a insensível ocupação de seu interior). E o edifício-sede do Jornal do Brasil, de Henrique Mindlin e equipe, foi destruído pelo vandalismo (conforme reportado recentemente por Roberto Segre, que de quando em quando deve se perguntar se não está mesmo em Cuba, afinal).

Como se isso não bastasse, perdemos nos últimos anos pelo menos duas das melhores casas de Niemeyer (uma em Botafogo, outra na Fonte da Saudade). Sem que muitos se dessem conta, foi abaixo recentemente uma escola exemplar de Índio da Costa (cuja demolição foi registrada por Otavio Leonidio), e também na Barra vai sumindo lentamente o belo campanário da Union Church, que parecia estar lá a nos lembrar da qualidade que já teve a arquitetura de Paulo Casé. Até a
arquitetura bancária carioca, que daria um bom objeto de estudo, teve algumas de suas melhores agências descaracterizadas nos últimos anos: a agência do Banco Boavista de Pontual Associados, que chamava atenção por suas cores vibrantes e instalações aparentes, tornou-se irreconhecível sob a indefensável pintura rósea que hoje recobre também quase todas as unidades do Itaú, raros exemplares da escola paulista por aqui (como se não bastasse a “atualização” da identidade visual do banco, que jogou por terra o design de Alexandre Wollner).

Tudo isso dói. Mas o pior é que cada vez mais vejo, no estado de abandono destes edifícios, a atual condição do meio de arquitetura local.