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Copacabana ontem.
 
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Para Dilma, presidente, de Toledo, arquiteto /
"Presidenta, eu era mais ou menos como a senhora, não tinha muita paciência para escutar e, quando o fazia, não sabia ouvir. Precisei ficar um ano e meio enfiado num escritório na Rocinha, pertinho da curva do “S”, para compreender o que os moradores queriam de mim. Foi um aprendizado tenso e difícil, fiquei doente de tanto stress,  mesmo assim valeu a pena, tornei-me uma pessoa melhor e, como arquiteto, produzi, com meus companheiros de equipe e com a população, um lindo trabalho, o Plano Sócio Espacial da Rocinha, até hoje bandeira agitada pela comunidade para se proteger dos desmandos dos nossos governantes.
Não sinto nenhuma animosidade em relação à senhora, pelo contrário, nunca esquecerei seu papel corajoso e abnegado contra a ditadura, mas que a senhora precisa aprender a ouvir, isso precisa.
Refiro-me a interpretação que a senhora deu ao que escutou dos jovens e coroas como eu, nas magníficas passeatas que tomaram o Brasil de ponta a ponta e nas redes sociais e, principalmente, à sua resposta tão equivocada como precipitada.
Presidenta, segure firme, deixe de lado os conselhos desses puxa-sacos que  a cercam, eu levei mais de ano para compreender o que os moradores da Rocinha queriam de mim, sei que a senhora é muito mais inteligente do que eu e, certamente, não levará tanto para compreender o que nós estamos querendo, pegue seu neto e se tranque num lugar agradável, não receba ninguém, respire..., relaxe... e, só então, se considere pronta para ouvir além de simplesmente escutar nossos gritos.
Preste atenção nas vozes do povo brasileiro, ouça as palavras de ordem, leia os cartazes e faixas e só então dê a resposta que todos nós queremos ouvir.
Deixe a reforma política conosco, em 2014 trataremos disso sem a sua ajuda e se concentre no que estamos pedindo: Educação, Saúde, Mobilidade, Moradia Digna Menos Inflação e trabalho, muito trabalho dos políticos e governantes, porque nós, Presidenta, já damos um duro danado para sobreviver e pagar nossos impostos.
Ah, ia me esquecendo, demita todos os seus ministros e o seu marqueteiro, eles não fazem bem à senhora.
Luiz Carlos Toledo
Arquiteto"
Notas:
1. Luiz Carlos Toledo coordenou o projeto de urbanização da Rocinha e é responsável por pesquisa sobre o programa Minha Casa, Minha Vida que estará na X Bienal de Arquitetura de São Paulo.
2. abaixo, o panfleto distribuído em passeata  organizada recentemente por moradores da Rocinha em repudio ao teleférico cuja instalação foi anunciada pela presidente Dilma em maio último, com recursos do PAC 2. O teleférico está previsto para ter 6 estações, divididas em 2 linhas. O sistema é semelhante ao instalado em 2011 no Complexo do Alemão, mas as estações tem projeto distinto.
3. enquanto isso, Amarildo - morador da Rocinha levado para "verificação" por policiais da UPP no dia 14 último - continua desaparecido.

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Porto Olímpico, Porto Vida / Em meio a tudo, passou quase desapercebida a abertura do cadastramento de servidores interessados em adquirir um apartamento no Porto Vida, o primeiro residencial da área portuária (localizado próximo à av Francisco Bicalho, entre a atual rodoviária e a estação Leopoldina, atrás das futuras Trump Towers).

O conjunto - que servirá como hospedagem da mídia não-credenciada e dos árbitros durante as Olimpíadas - é desdobramento de parte do projeto vencedor do polêmico concurso publico do Porto Olímpico, cujo resultado chegou a ser anulado pelo Ministerio Publico estadual no ano passado.

Do projeto inicial, também desenvolvido pela Blac/Backheuser e Leonidio Arquitetura e Cidade, e Alonso Balaguer Brasil Arquitetos Associados, foi mantido o uso misto (comércio nos primeiros pavimentos e residência nas torres), e a solução de dispor as torres sobre uma plataforma elevada. Mas o vazio entre os prédios, originalmente pensado como uma praça comunicante com a rua, acabou enrijecido com a disposição perimetral dos blocos e tornou-se uma área de lazer típica dos condomínios fechados, tomada por piscinas, quadras etc. A pressão imobiliária não impediu, no entanto, a criação de sete "sky lounges" - termo infeliz para descrever uma espécie de varanda comunitária, de dimensões amplas e pé-direito alto, que rompe aqui e ali com o padrão das fachadas.
 
Por ora, a prioridade de compra é dos servidores municipais, que desde o dia 20 de maio já podem fazer um pré-cadastro  na Internet, para disputar 1000 das 1333 unidades do conjunto, divididas em apartamentos de 2 e 3 quartos (com área entre 65 e 89 m2), em 7 blocos. O lançamento para o público em geral - das 333 unidades restantes - será em outubro, mas a pré-reserva também já pode ser feita na Internet.

A obra está a cargo das empresas Odebrecht, OAS, Rex e Carioca, e a entrega está prevista para janeiro de 2017.
Plantas e mais aqui: www.portovidaservidor.com.br













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Eu sou ninguém / Hoje, na "Folha de S.Paulo":

Peter Pál Pelbart
 
"Anota aí: eu sou ninguém"

Slavoj Zizek reconheceu no "Roda Viva" que é mais fácil saber o que quer uma mulher, brincando com a "boutade" freudiana, do que entender o Occupy Wall Street.
Não é diferente conosco. Em vez de perguntar o que "eles", os manifestantes brasileiros, querem, talvez fosse o caso de perguntar o que a nova cena política pode desencadear. Pois não se trata apenas de um deslocamento de palco --do palácio para a rua--, mas de afeto, de contaminação, de potência coletiva. A imaginação política se destravou e produziu um corte no tempo político.
A melhor maneira de matar um acontecimento que provocou inflexão na sensibilidade coletiva é reinseri-lo no cálculo das causas e efeitos. Tudo será tachado de ingenuidade ou espontaneismo, a menos que dê "resultados concretos".
Como se a vivência de milhões de pessoas ocupando as ruas, afetadas no corpo a corpo por outros milhões, atravessados todos pela energia multitudinária, enfrentando embates concretos com a truculência policial e militar, inventando uma nova coreografia, recusando os carros de som, os líderes, mas ao mesmo tempo acuando o Congresso, colocando de joelhos as prefeituras, embaralhando o roteiro dos partidos --como se tudo isso não fosse "concreto" e não pudesse incitar processos inauditos, instituintes!
Como supor que tal movimentação não reata a multidão com sua capacidade de sondar possibilidades? É um fenômeno de vidência coletiva --enxerga-se o que antes parecia opaco ou impossível.
E a pergunta retorna: afinal, o que quer a multidão? Mais saúde e educação? Ou isso e algo ainda mais radical: um outro modo de pensar a própria relação entre a libido social e o poder, numa chave da horizontalidade, em consonância com a forma mesma dos protestos?
O Movimento Passe Livre, com sua pauta restrita, teve uma sabedoria política inigualável. Soube até como driblar as ciladas policialescas de repórteres que queriam escarafunchar a identidade pessoal de seus membros ("Anota aí: eu sou ninguém", dizia uma militante, com a malícia de Odisseu, mostrando como certa dessubjetivação é condição para a política hoje. Agamben já o dizia, os poderes não sabem o que fazer com a "singularidade qualquer").
Mas quando arrombaram a porteira da rua, muitos outros desejos se manifestaram. Falamos de desejos e não de reivindicações, porque estas podem ser satisfeitas. O desejo coletivo implica imenso prazer em descer à rua, sentir a pulsação multitudinária, cruzar a diversidade de vozes e corpos, sexos e tipos e apreender um "comum" que tem a ver com as redes, com as redes sociais, com a inteligência coletiva.
Tem a ver com a certeza de que o transporte deveria ser um bem comum, assim como o verde da praça Taksim, assim como a água, a terra, a internet, os códigos, os saberes, a cidade, e de que toda espécie de "enclosure" é um atentado às condições da produção contemporânea, que requer cada vez mais o livre compartilhamento do comum.
Tornar cada vez mais comum o que é comum --outrora chamaram isso de comunismo. Um comunismo do desejo. A expressão soa hoje como um atentado ao pudor. Mas é a expropriação do comum pelos mecanismos de poder que ataca e depaupera capilarmente aquilo que é a fonte e a matéria mesma do contemporâneo --a vida (em) comum.
Talvez uma outra subjetividade política e coletiva esteja (re)nascendo, aqui e em outros pontos do planeta, para a qual carecemos de categorias. Mais insurreta, de movimento mais do que de partido, de fluxo mais do que de disciplina, de impulso mais do que de finalidades, com um poder de convocação incomum, sem que isso garanta nada, muito menos que ela se torne o novo sujeito da história.
Mas não se deve subestimar a potência psicopolítica da multidão, que se dá o direito de não saber de antemão tudo o que quer, mesmo quando enxameia o país e ocupa os jardins do palácio, pois suspeita que não temos fórmulas para saciar nosso desejo ou apaziguar nossa aflição.
Como diz Deleuze, falam sempre do futuro da revolução, mas ignoram o devir revolucionário das pessoas. 

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2x0 / Maracanã, hoje.


Aqui, em vídeo: http://youtu.be/LEfhFgloZDs