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Aluísio Carvão / Muros são elementos urbanos fundamentais. No Rio, tenho meus preferidos: o muro do Jockey Clube, no Jardim Botânico, é um deles. Passo freqüentemente de carro ou ônibus por ali, e muitas vezes o forte colorido dos seus grafites me faz esquecer as imponentes palmeiras reais, do outro lado da rua. Outro muro que pertence ao meu cotidiano fica na rua Mário Ribeiro (Lagoa-Barra), no limite do terreno do 23º Batalhão da Polícia Militar. É um painel de azulejos concebido especialmente para o local por Aluísio Carvão, a convite da Prefeitura, nos anos 90. O painel tem cerca de 100 metros de comprimento e, curiosamente, nenhuma pichação, embora esteja ali há mais de 10 anos. Nesse tempo, não me lembro de ter flagrado ali nenhuma pichação, cartaz ou publicidade. Só o que o tem ameaçado é o descaso do poder público: faltam vários azulejos, outros foram trocados por remendos grosseiros... Agora me dizem que ele está em vias de ser retirado dali, em função de um projeto que está sendo gestado por Jaime Lerner para abrigar o Museu da Bossa-Nova no terreno. Não chego a defender o seu tombamento, como sugerem alguns. Mas me solidarizo com o movimento em defesa da sua manutenção, encabeçado por Mario Fraga e apoiado por vários artistas plásticos (Eduardo Coimbra, Umberto Costa Barros e outros). Também acrescento a sugestão aos responsáveis pelo projeto do Museu que considerem o muro como algo a ser incorporado ao projeto – o belo projeto de Renzo Piano para a Fundação Beyeler, na Suiça, pode servir como referência.
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O fim da arquitetura carioca / Não se falou noutra coisa a semana toda. A foto do trio formado pelo prefeito, governador e presidente – todos sorridentes e portando quepes de almirante - resumiu a confiança que cerca o projeto “Porto Maravilha”, lançado oficialmente pela prefeitura na última terça-feira. Pela proposta, a área portuária do Rio de Janeiro vai passar por uma reforma completa nos próximos cinco ou seis anos, que inclui amplas intervenções urbanísticas e a construção de vários equipamentos comerciais e culturais, além de moradias. O lote de obras compreende a demolição de parte da av. Perimetral (entre o Mosteiro de São Bento e a Rodoviária) e sua substituição por uma via interna (paralela à av. Rodrigues Alves), a "urbanização" da Praça Mauá e do Pier Mauá e a construção de três novos piers. Deverão também ser construídas cerca de 500 unidades habitacionais (com a recuperação de imóveis antigos na região portuária, através do programa Novas Alternativas), uma garagem subterrânea (sob a Praça Mauá, com capacidade para até mil veículos) e equipamentos de cultura e entretenimento (a pinacoteca do Estado no palacete D. João VI, na Praça Mauá, e o Museu do Amanhã, nos armazéns 5 e 6 do cais). Na esteira do projeto, surgiu até um complexo de salas de escritórios e hotel a la Dubai, a ser construído na av. Rodrigues Alves, em frente aos armazéns 4 e 5. Tudo isso, claro, depende de mudanças na legislação, que terão que ser aprovadas agora pela Câmara dos Vereadores, já que a área atualmente é definida como industrial.

Em meio ao farto material de divulgação, não foi anunciado nenhum concurso público de projetos. Tampouco apareceu qualquer nome de arquiteto ou urbanista. Todas as imagens divulgadas têm mostrado projetos pífios, sem nenhuma qualidade arquitetônica ou urbanística – a começar pelo Pier Mauá, que pelo jeito vai se transformar numa pracinha de interior, com direito a quiosques, chafarizes e até um "arco triunfal". A degradação da área portuária carioca é um fato. Mas isso não pode justificar a realização de projetos sem nenhuma qualidade arquitetônica ou urbanística, feitos sabe-se lá por quem ou como. Somado aos projetos para as Olimpíadas, a Copa do Mundo e às novas instalações da Petrobrás na Cidade Universitária, os projetos para a zona portuária vão definir uma transformação profunda do Rio de Janeiro nos próximos anos. Isso poderia ser decisivo para retirar a arquitetura carioca do buraco em que está, dando estímulo inclusive a produção mais jovem. Mas se tudo seguir como está – com projetos surgindo a toque de caixa, sem nenhum concurso público à vista, e os arquitetos em total silêncio - será mesmo o fim da arquitetura carioca.


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A quem pertence a Praça? / A Praça XV é o coração urbano do Rio. Mas skate, ali, não pode. A alegação da Guarda Municipal é a de que a prática do skate provoca danos ao patrimônio histórico da Praça. Será ao piso, instalado nos anos 90? À fachada do Paço Imperial, cuja simetria fica prejudicada pela movimentação dos skatistas? Ou à estrutura da Perimetral, que a prefeitura mesma quer demolir? O que pode ser mais estimulante para a cidade do que a presença dessa juventude na Praça, justamente nos horários em que ela permanece cinzenta e deserta? Os skatistas não defendem só a prática do skate na Praça. Eles defendem a Praça.



















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Skate na Praça / O skate está intimamente associado aos espaços urbanos. Rampas, escadas, bancos, marquises, tudo é desafio para quem vive atrás da adrenalina de manobras (e tombos) espetaculares no asfalto. No Rio, os skatistas habitam o Centro desabitado. É um instante de felicidade vê-los cruzando o pilotis do Ministério da Educação ou voando sobre a Praça XV, onde eles costumam se concentrar nos finais de semana. E é aí que eles vão estar, domingo, na versão carioca do GoSkateboardinDay, manifestação criada na Califórnia em 2003 e que ocorre simultaneamente em várias cidades do mundo, sempre no dia 21 de junho, como uma celebração da liberdade associada à prática do skate.

Mas para os skatistas cariocas, a data será mais que isso: eles pleiteam "a chance de um diálogo com a prefeitura" para expor sua proposta de "construção de um múltiplo e versátil ambiente de rua", definido não como um 'skateparque' - projetado para uso exclusivo dos skatistas - mas como "um parque onde possa ser praticado o skate". O que eles querem, simplesmente, é estar na cidade. Vivê-la, a seu modo, superando a sua própria marginalização.

É uma reivindicação a ser ouvida, por parte de uma comunidade que já tem presença na revitalização do Centro.
(ver o vídeo "Em cartaz", na coluna à esquerda, e o manifesto XV: http://www.fotolog.com.br/avuatauba).
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E se em vez de helicópteros fossem zeppelins? Este sobrevoou a cidade na década de 30.


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Helicópteros / Duvido que alguma cidade tenha mais helicópteros que o Rio. Pelo que sei, São Paulo tem hoje cerca de 600 em operação, mais ou menos o dobro de Nova York. Mas aqui, tenho certeza, eles são centenas de milhares. A todo instante eles passam zumbindo, para um lado e para o outro, acima da minha cabeça: são passeios turísticos, salvamentos de banhistas na praia, combates a incêndios florestais, transportes de executivos, operações policiais e até resgates de corpos tombados durante confrontos com traficantes em favelas - cena brutal e agora cotidiana no Rio. A verdade é que o despudor dos helicópteros cariocas não assombra mais ninguém. Talvez às crianças menores, que mal ouvem um ruído mais forte e já olham aterrorizadas para o céu. Não, na minha infância, helicóptero era sinônimo de Papai Noel. Ou podia ser também que levasse o Rei, cantarolando, num vôo fabuloso sobre a cidade, capaz até de atravessar um túnel.


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Segurança pública / Pensava vagamente no avião desaparecido – “a máquina contra o homem”, diz a manchete do Jornal do Brasil – quando me deparei com a mala – preta, inerte e sem identificação, esquecida sobre a calçada. Algo nela me fascinou: havia qualquer coisa escapando do seu interior, o que tornava seu abandono ainda mais comovente. Se estivéssemos, ela e eu, em Londres ou Paris, certamente ela me ameaçaria. Aqui, não. Apenas segui em frente, como todos os outros. No dia seguinte ela continuava lá, e eu tive a sensação passageira de viver numa cidade segura.

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Surpreendente dádiva
Lucio Costa

“Como resultado de uma feliz conjugação de circunstâncias, "sans en avoir l'air" - como diria Marques dos Santos, antigo diretor do Museu Imperial de Petrópolis - a administração do Estado do Rio de Janeiro vai presentear a cidade com novas perspectivas urbanas que darão o devido destaque a mais quatro preciosos testemunhos do nosso passado colonial.

1º - A necessidade de nova articulação viária por causa do próximo bloqueio da rua Uruguaiana pelas obras do Metrô acelerou a demolição dos prédios remanescentes na área da Lapa, liberando assim, de ponta a ponta, o aqueduto da Carioca, os Arcos, como são conhecidos – monumento cujo patrono no IPHAN é José de Sousa Reis - o que levou à limitação do gabarito na encosta do morro a fim de incorporar para sempre ao logradouro a serena presença do convento de Santa Tereza.

2º - A feliz deliberação de deixar livre o triângulo contido entre a rua S. José e o edifício De Paoli, criou, com a praça também triangular fronteira ao BEG, novo eixo visual urbano, perpendicular à Avenida Rio Branco, que terá como remate contra o sol poente a extensa e rica silhueta do convento franciscano e respectiva ordem terceira. Esse conjunto será também valorizado pelo desafogo do Largo da Carioca, resultante igualmente das obras do Metrô, e pela iniciativa complementar de liberar a vista lateral, sobre a rua do mesmo nome, com os belos janelões da sacristia.

3º - O prolongamento do Elevado da Perimetral dará ensejo a que se descortinem as fachadas leste e norte do imponente mosteiro de São Bento com o seu famoso botaréu.

4 º - Finalmente, a necessidade da construção de uma passarela na Praça XV levou a administração a restituir aos pedestres o antigo Terreiro do Paço, procurando-se bloquear a vista, tanto do viaduto como do monumento ao General Osório, com um reforço adequado da arborização.

Esse aflorar de perspectivas coloniais que pareciam definitivamente sepultadas pelo indiscriminado adensamento urbano da massa edificada vai ser uma agradável surpresa para
todos os cariocas, pois com esta não contavam. "Il ne faut jamais désespérer".

Lucio Costa, 25/8/74

[Este texto foi entregue por Lucio Costa ao eng. Emilio Ibrahim, então secretário de Obras do Estado, em reunião do Conselho Superior de Planejamento Urbano do Estado da Guanabara - integrado, entre outros, também pelos arquitetos Paulo Santos e Jorge Machado Moreira. O original pertence ao arquivo pessoal do eng. Ibrahim, a quem agradeço. http://emilioibrahim.eng.br/]

Posto 6 / jun 09






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Querem acabar com ela / Junto com a reinvenção dos projetos de revitalização da zona portuária, volta à baila a proposta de demolir a Perimetral (Avenida Presidente Kubitschek), no centro da cidade. O viaduto de cerca de 6 km de extensão, cuja construção foi iniciada heroicamente, em paralelo à construção de Brasília, passou a ser visto, nos últimos anos, como um dos maiores responsáveis pela degradação da frente marítima carioca e já foi objeto de várias propostas de intervenção. Há fortes razões para considerá-lo um fardo a ser eliminado, uma vez que sua construção apartou ainda mais a cidade da água e vitimou parte expressiva da memória carioca, como o Mercado Municipal (do qual hoje só resta o torreão solitário e meio decadente do Albamar). Mas por outro lado, a Perimetral comporta atualmente um fluxo diário de veículos cujo escoamento, na sua ausência, exigirá obras colossais, extremamente penosas e custosas para a cidade.

A Perimetral segue o modelo dos corredores viários elevados construídos no pós-guerra em grandes centros urbanos do mundo todo, visando a criação de alternativas para o crescente tráfego motorizado e particular. Dentro desse modelo, os exemplares mais emblemáticos são, provavelmente, as “expressways” erguidas por Robert Moses em Nova York, que devastaram comunidades inteiras da cidade, nos anos 50, e só foram freadas graças à mobilização comunitária encabeçada por Jane Jacobs na década seguinte.

No caso em questão, no entanto, é preciso levar em conta que, depois da criação do “mergulhão” da Praça XV, na década de 90, uma vida floresceu bem ali, ao abrigo do viaduto, da qual dá testemunho a fervilhante feira de artigos usados onde aos sábados ainda se pode comprar um disco de vinil a dois Reais, um ex-celular a três ou uma máquina de escrever a trinta. E não deixa de ser curioso que as precárias barracas se concentrem exatamente ao longo dos apoios do viaduto, e não, como gostariam muitos bem-intencionados arquitetos, na praça adjacente, que aos sábados resta deserta. Fica evidente que existe uma forte identificação entre o caráter meio marginal da feira e o espaço meio abandonado sob o viaduto, ambos tão próximos de espaços urbanos centrais e ao mesmo tempo tão apartados da cidade à sua volta.

Além do mais, é inegável que, se a Perimetral bloqueou a vista de alguns monumentos notáveis – vários deles tombados, como o chafariz do Mestre Valentim e o Paço Imperial -, ela também acabou presenteando o Rio com novas perspectivas urbanas. E essa "surpreendente dádiva", salvo engano, quem primeiro percebeu foi Lucio Costa.