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Paisagens críticas / Não foram mais que dez minutos de carro, saindo de Higienópolis, e logo estávamos na Mooca, debruçados sobre os trilhos que ligam o centro de São Paulo a São Caetano, entre galpões industriais e chaminés em desuso, vagões corroídos, montes informes de areia e sucata, torres de alta tensão e até uma pequena horta, com pés de milho, goiaba e manga - estranha dimensão doméstica diante da escala industrial da paisagem.

Meio tonta ainda, ouço Nelson Brissac Peixoto falar do que está para surgir aí: mais um desdobramento do projeto "Arte Cidade", que há duas décadas vem discutindo, pela arte, situações urbanas críticas. José Rezende, artista (com formação em arquitetura) que já suspendeu vagões de trem em edição passada do projeto em São Paulo, e no Rio instalou seu Passante no Largo da Carioca, enfrenta agora um sítio ainda mais complexo, afetado por grandes operações industriais e territoriais e situado no cruzamento entre diversos fluxos, que começa a interessar ao mercado imobiliário e mobilizar a população local.

O trabalho será realizado entre abril e maio, envolvendo também alunos e professores de Arquitetura da Escola da Cidade e da PUC-Rio num grande laboratório urbano dirigido à experimentação de problemas artísticos, técnicos, ambientais e urbanísticos.

Referências teóricas podem ser buscadas no estudo lançado recentemente pelo curador do projeto: Paisagens Críticas. Robert Smithson: arte, ciência e indústria (EDUC/SENAC, 2010). O livro é uma investigação rigorosa da obra do artista americano do ponto de vista da sua relação com a geofísica e a geofilosofia de Deleuze, os processos industriais e os sistemas dinâmicos e complexos estudados a partir dos anos 60 pela física.

Enquanto devoro um a um os seus capítulos ("Deslocamentos", "Dinâmicas da matéria", "Turbulências", "Curvaturas", "Movimentações de terra", "Avalanches", "Paisagens em desequilíbrio"), páro e penso em muitos processos urbanos pelos quais o Rio passa hoje, envolvendo questões prementes que no entanto, pelo que vejo, não tem sido elaboradas artisticamente por aqui.

Então salto para o cinema e mergulho na cidade em desmonte de Wang Bing (Tie Xi Qu, 2003, em cartaz no IMS): um mundo que agoniza lentamente junto com o trem, a fábrica, a paisagem, as casas e os homens.

Um comentário:

  1. Acho excelente a investigação conjugando arte, cidade e arquitetura.
    Será interessante ver um desdobramente com novas experiências no eixo Rio-SP. Gostaria muito de participar desse workshop.
    Sds,
    Cláudia Miranda

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