2
Piscinão do Alemão / por Ana Altberg:
Durante a ocupação policial da
Vila Cruzeiro, em 2010, pôde-se assistir ao vivo a forte cena de traficantes
fugindo por uma estrada de terra em direção ao Complexo do Alemão. A visão
aérea, registrada por um helicóptero da Rede Globo, mostrava alguns deles sendo atingidos pelos tiros da polícia. Essa estrada leva a um lago formado na cavidade de uma pedreira na Serra da Misericórdia, mais conhecido como Piscinão
do Alemão.
Em janeiro deste ano, a Folha de
S. Paulo publicou uma matéria
sobre o lago, que é uma atração
local há anos.
A empresa francesa Lafarge, que
tem concessão para explorar o terreno, afirma que o lago foi formado por
acumulação de água de chuva, negando a hipótese de que seria um lençol freático
exposto pelas dinamitações para extração mineral. Ainda em 2010, a Lafarge drenou o lago para seguir explorando o
terreno, mas até hoje crianças recorrem às suas águas para se divertir, quando
chove.
Poucos anos atrás, o Piscinão costumava ficar lotado nos fins de semana, crianças com pranchas de surf, bóias, tinas de cerveja, música
alta. Dizem que traficantes até andavam de jet-ski
ali. Mas o lugar é tão belo quanto perigoso: as lascas de pedra soltas e a
instabilidade do terreno apresentam riscos graves aos usuários, assim como a
contaminação química pelos produtos usados nas pedreiras.
O grande sucesso deste lago
perigoso demonstra, no entanto, a enorme carência de áreas públicas de lazer de
uma parcela significativa da população de uma cidade em que a geografia social
se expressa por meio da distribuição desigual de espaços públicos (com praias e
espaços verdes concentrados nas zonas Sul e Oeste, as mais ricas da cidade).
Diante dos problemas decorrentes
de um transporte público não integrado e deficitário – o teleférico do Alemão
não é conectado ao metrô, apenas à Supervia – , do alto custo dos bilhetes,
somado aos custos adicionais de um dia na praia, um mergulho no mar não chega a
ser muito acessível para quem mora no Complexo do Alemão. O lago se torna então uma opção mais atraente.

Google Earth, 2012
O maciço da Serra da Misericórdia, onde se localiza o Piscinão, é cercado pelos bairros Engenho da Rainha, Inhaúma, Penha, Complexo do Alemão, entre outros. Esta região- a AP3 - é a mais populosa do Rio de Janeiro, abriga 50% dos residentes em favelas e a menor área verde per capita do município. A Serra é a maior área verde desta região, mas sua vegetação se encontra em condições precárias, sempre ameaçada pela expansão das favelas e pela atividade mineradora, presente no local há mais de 40 anos.
O maciço da Serra da Misericórdia, onde se localiza o Piscinão, é cercado pelos bairros Engenho da Rainha, Inhaúma, Penha, Complexo do Alemão, entre outros. Esta região- a AP3 - é a mais populosa do Rio de Janeiro, abriga 50% dos residentes em favelas e a menor área verde per capita do município. A Serra é a maior área verde desta região, mas sua vegetação se encontra em condições precárias, sempre ameaçada pela expansão das favelas e pela atividade mineradora, presente no local há mais de 40 anos.

Vegetação em 2012
A Serra da Misericórdia vive uma grande contradição
entre a realidade e seu estatuto oficial, a lei. No papel, desde 2001 se trata
de uma APARU (Área de Preservação
Ambiental e Recuperação Urbana), e é considerada um parque público. Em 2010, o prefeito sancionou um
novo decreto que o nomeia “Parque Municipal Urbano da Serra da Misericórdia” e
indica que ali seriam construídos “Pólos de Atividade Social”.
De
acordo com um abaixo-assinado publicado pela ONG Meu Rio no
final de 2013, remoções tem sido
feitas em nome do parque. No entanto, permanecem intactas e ativas as pedreiras
que seguem arrasando o solo e causando danos à saúde dos moradores da região,
onde há alto índice de doenças respiratórias. Seu entorno é de favelas ou
bairros degradados, com esgoto a céu aberto, lixo nas ruas, e uma espessa
camada de poeira sobre qualquer objeto num raio de 500 metros das pedreiras.
O
projeto do parque, desenvolvido pela Secretaria Municipal
de Habitação em parceira com o escritório Arqhos, prevê instalações pontuais
para o maciço, que é cercado por diferentes tipos de ocupação: favelas, áreas
industriais em desuso e conjuntos habitacionais murados. Inserida num tecido
urbano já periférico, a integração da Serra com a cidade é quase inexistente.
Mas
no momento o projeto do parque está paralisado, porque ao que tudo indica,
Prefeitura e Governo do Estado têm ideias divergentes para o futuro da Serra da
Misericórdia: enquanto a Secretaria de Habitação tentava implementar seu
parque, o Governo do Estado projetou um parque de mountain bike,
que de acordo com a ESPN, já está em construção.
Esta
situação expressa a dispersão do planejamento urbano do Rio de Janeiro:
diferentes órgãos pensando a cidade separadamente, muitas vezes com projetos
diferentes para o mesmo local. Enquanto
isso, o futuro da Serra da Misericórdia permanece como uma incógnita, diante de
indefinições políticas e falta de transparência nos processos de planejamento
urbano. Por que não foi aberto um concurso público para o projeto do “Parque
Municipal Urbano da Serra da Misericórdia”?
O Piscinão do Alemão já apontou o
forte potencial de uso coletivo dessa área. A integração do tecido urbano às pedreiras
desativadas poderia gerar uma centralidade regional positiva, a partir da
criação de um grande espaço público de lazer, a exemplo de parques criados em
antigas pedreiras o Buttes Chaumont,
em Paris, e o Parque Tanguá, em
Curitiba.
Entre as ruínas irregulares da extração mineral, poderiam existir orlas, jardins, ciclovias, atividades educacionais, culturais, administrativas... Um espaço capaz de suprir carências da população local e oferecer um respiro coletivo, tão necessário aos que vivem nos intermináveis vales de favelas do Complexo do Alemão, marcados por décadas de violência e abandono.
(Ana Altberg é arquiteta e membro da equipe vencedora do concurso de ideias “Reperimetral”, cujo resultado, divulgado semana passada, pode ser visto aqui: http://reperimetral.com/2014/04/03/resultado/)
Nenhum comentário:
Postar um comentário