14


Roadtrip to Rem



"Terça-Feira, 23, estava fazendo minha inspeção diária aos posts sobre arquitetura e, por acaso, li em algum lugar, em que não me lembro de ter entrado antes, que Koolhaas daria uma palestra no Sesc Pompéia no dia seguinte. Umas semanas atrás, estava procurando intensamente alguma noticia sobre a “maratona” em que Hans Ulrich entrevistaria Rem Koolhaas, Vik Muniz e Hebe Camargo, entre outros, no Rio. Sem conseguir qualquer notícia muito concreta, e após conversar com amigos, concluí que o evento tinha sido cancelado. A notícia sobre São Paulo veio então substituir minha frustração. Desse momento em diante estava disposto a fazer o que fosse necessário para ouvir Koolhaas em São Paulo.

Liguei pro Sesc, e após ser redirecionado para todos os ramais internos, me perguntaram se eu tinha recebido um convite, sem o qual não seria possível entrar. Perguntei como tinha sido feita a distribuição dos convites e não souberam me informar, mas disseram que o Instituto Bardi havia organizado o evento. Liguei pro Instituto e fui de novo redirecionado algumas vezes, até chegar a uma moça simpática que explicou que o convite havia sido oferecido a poucas pessoas mas havia a possibilidade de enviar um e-mail solicitando uma vaga. Ela me passou o endereço, já dizendo que seria difícil, porém deixando alguma esperança. Liguei pra uns amigos, um deles disse da possibilidade de ficarmos na casa de uma amiga em SP, consegui o carro com meu pai e coloquei uma escova de dentes e um par de roupas na mochila. Mas até quarta-feira, às onze horas, não tive resposta. Liguei então novamente pro Instituto e fiquei sabendo da possibilidade de retirar ingressos na entrada, pois os convites que não fossem utilizados seriam distribuídos por ordem de chegada. Fiquei um tempo explicando que sairia do Rio de Janeiro especialmente pra isso, e como a palestra era importante pra mim, mas a moça simpática disse que não era possível garantir mais convites, e só. Saímos do Rio às 15h, sem convite e sem nunca ter andado de carro em São Paulo, mas confiantes no desempenho de um pequeno GPS que levávamos conosco. Na primeira hora de viagem o celular de uma amiga vibrou, com a confirmação dos nossos convites recebida por e-mail. Pelo visto a moça simpática se sensibilizou com o nosso caso, agora a viagem seria menos tensa.

Acredito que o episódio reflete dois problemas atuais da arquitetura no Brasil:

1) seu isolamento em relação às demais áreas do conhecimento. Um autismo que parece vir de uma tentativa (febril) de proteção ou auto valorização, culminando em uma especialização que impede a troca com outras disciplinas. É o arquiteto que só consegue conversar com arquiteto e desmerece qualquer comentário vindo de outra área, num processo de auto-exclusão que dá no que deu: um dos maiores arquitetos do mundo vem ao país e o que era pra ser do interesse de todos acaba passando quase em branco.

2) a ausência de um ambiente transparente de discussão critica sobre nossa profissão. O fato de uma palestra dessa importância ser fechada, ou tão restrita, mostra que ainda não estamos preparados para este tipo de debate. Acredito que isto tem a ver com a base do nosso sistema de ensino, ainda beaux-artiano, em que o arquiteto é ensinado a “fazer arquitetura”, e o debate e a critica são marginalizados.

RK começa sua fala definindo um herói: alguém sem defeito e admirado. Diz que o que fizemos até agora foi a construção e mitificação dos nossos próprios heróis. E propõe o processo inverso, de desmitificação, como alternativa para começar a construir um ambiente mais fértil à discussão e produção intelectual. Sempre cético, Koolhaas estrutura sua palestra com base num diagrama de sua trajetória pessoal. Um gráfico com dois componentes principais variando ao longo do tempo: a economia de seu escritório e a economia mundial. E dividido em 5 fases: “Starving artist, Start up, Take off, Star architect, Retreat”. O diagrama já tinha sido apresentado dois meses antes numa palestra no Berlage Institute em Rotterdam (ver “Three in one” aqui:
http://vimeo.com/25071414). Desta vez, porém, RK opta por uma explicação mais detalhada da sua trajetória, volta e meia pautada por uma referência ao universo brasileiro – como quando citou os prédios da Esplanada dos ministérios em Brasília como um dos motivos de ter se tornado arquiteto.

Pessoalmente, achei a palestra fantástica. Gosto de como RK responde às perguntas, mesmo quando elas são péssimas. Parece que nunca descansa, está sempre contestando a posição em que ele mesmo se encontra. Ao ser perguntado sobre seu sentimento em relação à cidade de São Paulo, por exemplo, respondeu que era necessário distinguir sentimento de impressões, e disse que como intelectual não deveria passar impressões.

Vejo sua vinda como um marco do momento que nossa arquitetura está vivendo, uma fase de reajuste de valores e escolhas de novas direções. Fico feliz de ter feito este esforço pra ir assisti-lo e de ter feito parte do público jovem que estava lá. Mas espero que com isso coloquemos em debate a maneira como discutimos arquitetura e quais os meios que utilizamos para fazê-lo.

Aliás, filmaram a palestra, só falta divulgar.
"


(por Gabriel Kozlowski Maia, aluno do Curso de Arquitetura da PUC-Rio)


3 comentários:

  1. excelente o registro do gabriel. aguçadíssimo também o diagnóstico. me lembrei de quando, ainda estudante, ajudei jorge czaikowski a organizar vinda nati-morta do peter eisenman ao rio. não veio pois na véspera foi publicado artigo de oscar niemeyer defendo sua arquitetura e disseram a ele que era sinal de que não seria benvindo no rio. lenda urbana. o fato é que esta aproximação (interesse?) de grandes arquitetos com o brasil e o rio parece crescer. mas se não há troca crítica como enriquecer o nosso campo de produção? koolhaas passeou pelo rio, bebeu água de coco, comeu, pegou sol. poderia ter palestrado também. resta saber se foi agredido como foi o jacques herzog foi na fau usp.

    ResponderExcluir
  2. valeu, Gabriel. eu acabei desistindo face às dificuldades de garantir um lugar. se souber do vídeo, posta o link pra gente.

    att
    Alcides

    ResponderExcluir
  3. achei um absurdo, também só consegui informações dessa palestra no dia anterior e, pra minha frustração, escolheram um horário comercial pra fazê-la. quer dizer, o Koolhaas vem ao Brasil e ninguém leva ele em algum lugar, mais acessível, ele não dá entrevista a jornal algum? inacreditável mesmo.

    ResponderExcluir