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Niemeyer e a Mediocridade / Não foi só o Vicente Del Rio que ficou indignado com o meu texto, que ele leu como uma "ode ao Niemeyer". Eis o comentário que acabo de receber do arquiteto Paulo Afonso Rheingatz, professor da FAU-UFRJ, que me autorizou a publicá-lo aqui:

"Sempre procuro acompanhar com interesse suas matérias e seu blog. Gosto do seu texto e de sua lucidez. Mas isto não se confirmou no artigo “Niemeyer e a modernidade sem crise”, publicado em O Globo de sábado. Ele se junta a outros artigos de elogios ou de desvios da crítica à obra de ON especialmente nas últimas 4 décadas, quando produziu um apreciável conjunto de aberrações arquitetônicas em nome da liberdade do gesto criador. A começar pelo MAC que, além de desproporcional, pode ser qualquer coisa mas não um museu. A menção sobre as críticas ao custo “e até da sua eficiência energética” sugere que você não considera esses aspectos importantes em obras públicas no Brasil. Ao mencionar que a obra é “indissociável da política carismática de Aécio Neves e de sua ambição política” ficaa dúvida se isto é, na sua opinião, um problema. Além de persisir um problema histórico na obra de ON: como se justifica um arquiteto assumidamente comunista aproveitar-se dos devaneios faraônicos com o dinheiro público praticado pelos governantes para plantar seus delírios formais pelos quatro cantos do mundo.Com relação ao “foco de atenção”, ele é o mesmo que se repete em toda sua obra: gratuidade da forma e exercício do ego. Mesmo nos trópicos, sua obra em concreto despreza o conforto e o bem estar dos cidadãos,ao plantar formas de concreto no vazio, sem a concorrência da vegetação, que impede que sua obra predomine sobre tudo o mais.Talvez a única coisa que mereça menção seja o alardeado vão livre de146 metros, embora fique a me perguntar qual seria a sua relevância,além de afirmar seu desprezo completo pelo custo de suas obras. Aqui,talvez, possamos concordar: ele representa “uma carga de juventude”,especialmente por sua irresponsabilidade.O reconhecimento à visibilidade ímpar de ON, responde sua menção à escassez de cultura arquitetônica. Com raras exceções, nossos arquitetos optaram pela condição de eternos discípulos ... seja de ON(poucos), seja de Lucio Costa, seja de Artigas. Nós arquitetos brasileiros somos discípulos de uma vanguarda obsoleta.Neste sentido, provavelmente, nosso azar foi termos mestres tão longevos ... bom para eles, ruim para a arquitetura brasileira.Seu parágrafo final é espantosamente assustador. Porque devemos tratar com cuidado uma obra sem qualquer qualidade, desprovida de qualquerrelação com o contexto, com os usuários e cidadãos que vão ser forçados a utilizá-lo e a bancar seus custos de manutenção tambémfaraônicos? Se os projetos recentes de ON são a prova cabal de que ele é “o último grande Mestre da arquitetura” ou o “grande imortal da arquitetura” você não deveria se espantar da “escassez de cultura arquitetônica no Brasil hoje”.Mas o mais espantoso de tudo é que, apear de cego, e sem poder ficar de pé, as pessoas ainda acreditem que é ele quem projeta estes absurdos que proliferam pelo Brasil enquanto a nossa população desaba morro abaixo.Ana, como é possível falar em boa arquitetura hoje, sem considerar osaspectos ambientais, o clima, a proteção contra a radiação direta do sol, as demandas e desejos dos cidadãos e dos usuários, os custos operacionais?No Brasil, a crise não é apenas da Modernidade, embora ela tenha contribuído em muito para a descaracterização da cidade e da vidatradicional, em que pese alguns poucos exemplos bem sucedidos, como a ABI, o Palácio Gustavo Capanema, o Santos Dumont, o MAM, o Banco Boavista, entre outros apenas para ficar aqui pelo Rio de Janeiro.Cada vez mais acredito que a salvação da arquitetura brasileira está no abandono da pretensão à genialidade e na construção de uma mediocridade mais responsiva e humilde, mais brasileira. Mas isto é pano para uma outra discussão, ou até mesmo para um futuro livro.

Saudações, Paulo Afonso Rheingantz"

5 comentários:

  1. Gostaria de aplaudir a lucidez e contundência do Prof. Paulo Afonso, cuja posição eu subscrevo humildemente.
    Aproveito para dizer que não estou conseguindo ler os comentários aos posts. Quando eu abro o blog, constam sempre zero comentários, quando eu sei que a caixa está movimentada e o debate é ótimo de ser acompanhado. Será que o problema é do meu navegador?
    Abs

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  2. Ana e Paulo,

    em primeiro lugar o debate é ótimo e necessário.

    minha opinião está registrada aqui:
    http://parededemeia.blogspot.com/2010/03/historia-se-repete-como-farsa-history.html

    em resumo, acho a cidade administrativa um erro por dois motivos: o primeiro da escala do urbano, acho lamentável arrastar milhares de funcionários para a periferia da cidade quando o centro está esvaziando a olhos vistos. Uma tremenda oportunidade perdida. O segundo diz respeito à aruitetura mesma. O projeto é péssimo. Dois volumes de vidro voltados para leste e oeste. Uma praça árida. Pé direito de 2.40 em vários andares. Ruim mesmo.

    A saturação que você menciona eu imagino ter ocorrido ainda no século 20, lá pelos idos de 1985. Depois disso, sem uma boa equipe e reduzido a marca comercializável, fico com as palavras de Ourosoff: Niemeyer está vivendo o suficiente para destruir sua própria obra.

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  3. senti um pouco de inveja no comentário do professor, tipica daquela geração que foi feita para odiar ON.

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  4. Fernanda Pittella17/4/10 21:19

    Faço minhas as ponderações do prof. Paulo à respeito de seu artigo. E acrescento a indagação: aonde estavam todos que se manifestaram justificadamente contra durante o processo de planejamento e construção da Cidade Administrativa? Não houve questionamentos, pelo menos da classe? Em Minas não houve! Mas em se tratando de ON, o debate fora do âmbito Minas-Aécio se justificaria, visto que em priorizar uma arquitetura sabidamente retrograda em detrimento de soluções arquitetonicas mais alinhadas com as demandas contemporaneas, e tudo isto debitado na conta do contribuinte mineiro, fechou-se uma janela de oportunidade para vermos concretizar projetos de uma geração que não mais lê a cartilha da arquitetura moderna.

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  5. senti um pouco de rancor por parte daquele que se diz anônimo aí em cima, pois o tempo mostrou as falhas do projeto moderno e que Brasília e as obras de Niemeyer estão caindo aos pedaços.Nenhuma geração é feita para odiar ninguém mas as vezes as pessoas se tornam odiosas ou não as vezes apenas seus preceitos se tornam caducos e isso pode ser constatado através do tempo.

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