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Porto, Pós, Para onde? / Ele diz que eu sou modernista, eu digo que ele é pós-modernista. Nosso ponto de discórdia fundamental está na leitura que fazemos da arquitetura moderna. Mas a verdade é que conheço poucos arquitetos, no Rio, que têm um olhar para a cidade como Flavio Ferreira. E que são abertos ao debate como ele. Sua crítica ao atual projeto de revitalização da área portuária foi uma contribuição importante para o seminário "Porto do Rio: Para Onde?", realizado no Curso de Arquitetura da PUC na terça passada, em que se discutiu o projeto "Porto Maravilha" (apresentado pelo arquiteto Antonio Correia, da Secretaria de Urbanismo, depois de um histórico da área feito pelo arq. Augusto Ivan Freitas Pinheiro). Passados dois dias, recebo o texto abaixo, que resume o teor das críticas de Flavio ao projeto. Penso que ele tem razão sobretudo no que diz respeito à defesa da preservação da paisagem natural, tão emblemática do Rio.

"PORTO DO RIO: O PESADO E O LEVE / Flavio Ferreira

Dos anos vinte aos anos setenta do século passado prevaleceu entre os urbanistas o entendimento de que as cidades existentes eram todas erradas e consequentemente, deveriam ser gradativamente demolidas e reconstruídas a partir do zero, seguindo as prescrições da época do que seria uma boa cidade: um grande gramado sobre o qual pairavam, sobre pilotis, edifícios altos, brancos como a neve...

O projeto de Le Corbusier para o centro de Paris, o Plan Voisin de 1925, felizmente não construído, é um dos primeiros exemplos desta atitude. A segunda melhor solução era abandonar a cidade existente ao léu e construir expansões gigantescas com os edifícios altos sobre o verde. O projeto de Lucio Costa para Barra da Tijuca, dos anos 60, é um bom exemplo desta atitude.

No mundo inteiro “a cidade alta no parque” mostrou-se desagregadora, sem lugares de convívio, favorecendo a exclusão e não a inclusão, a alienação e a delinqüência e não a cultura, a monotonia e não a diversidade.
Além disso, era cara de se construir e difícil de se manter.
As cidades dos Estados Unidos, que tem recursos para corrigir grandes erros, tem demolidos seus trechos de “cidade alta no parque”. A partir dos anos 70, em todo o mundo, este paradigma foi refutado.

Descobre-se que a cidade existente, embora cheia de problemas, tem suas qualidades e suas grandezas e os urbanistas voltam-se para ela e, delicadamente, a reformam, a restauram, dão-lhe mais vida. Retoma-se a pequena escala.

São exemplos no Rio dessa atitude frente às cidades, a de intervenção de pequena escala: o Corredor Cultural de Augusto Ivan e seus companheiros; a melhoria das ruas tradicionais que no Rio se denominaram Projetos Rio-Cidade, desencadeados por Luiz Paulo Conde; as melhorias em áreas carentes aqui designadas Projetos Favela-Bairro, liderados por Sergio Magalhães; a adaptação de edifícios antigos como o Centro Cultural Banco do Brasil e a sede dos Correios; o retrofit de diversos grandes edifícios de escritório no centro da cidade como a antiga sede da Sul América na Rua da Quitanda, de Fernando Monte e da antiga sede da Esso na Avenida Presidente Wilson de Davino Pontual e Paulo Pires; o cuidadoso restauro de diversos palácios, como o da antiga sede da Casa da Moeda para o Arquivo Nacional de Alfredo Britto, o último sendo o restauro do Palácio Imperial na Quinta da Boa Vista. Esses exemplos indicam o muito que se pode fazer seguindo essa vertente predominante do urbanismo e da arquitetura contemporânea.

Não é que agora, em 2009, o projeto “Porto Maravilha” da Prefeitura volta atrás 40 anos e propõe para a área do Porto um plano que leva à destruição da maioria do volume edificado na área e sua reposição por edifícios e altos?

Faz isso ao legislar, quarteirão a quarteirão, a construção de edifícios enormes, os maiores podendo ter 12 vezes a área do terreno, e com altura de até 50 andares. Com esta legislação esses terrenos serão vendidos em hasta pública para a iniciativa privada.

Alem de destruir a maior parte das construções existentes no Porto, os novos edifícios escondem o perfil dos pequenos morros que separam o Porto da Avenida Presidente Vargas e, mais grave, a bela paisagem da grande cordilheira da qual o Corcovado é o elemento mais importante.

Quando viemos da Zona Norte, do interior ou do Galeão, nos sentimos no coração do Rio quando, junto ao Gasômetro, contemplamos de perto o Cristo e o perfil de toda a sua cordilheira. Com o “Porto Maravilha” esta experiência visual maravilhosa estará perdida para sempre.

Legislar muito denso e muito alto tem um outro grave inconveniente: atrasa a consolidação da área. Não há economia urbana suficiente para construir os edifícios grandes de pronto. Terá que haver especulação os terrenos ficarão desocupados por décadas e enquanto isso o Porto continuará vazio.

O projeto deveria enfatizar a reforma, o retrofit, o restauro do existente. Com um olhar contemporâneo lá se vê uma infinidade de oportunidades para este tipo de aproveitamento. O Porto se consolidaria rapidamente e ficaria, já agora, muito mais interessante e vivo. Os melhores exemplos de projetos bem sucedidos hoje são os que enfatizam a preservação e não a demolição e construção de edifícios altos, principalmente nas áreas portuárias.

O primeiro projeto de renovação portuária, no Haymarket em Boston e o Porto Madero em Buenos Aires são disso um bom precedente. No Rio já há alguns exemplos de projetos desse tipo: o pioneiro uso de armazéns do Porto para sede de uma empresa, a Xerox, um retrofit feito nos anos 70 por Pontual Associados; o Parque das Ruínas em Santa Teresa, elegante conjunção entre o velho e o novo, do impecável veterano Ernani Freire; o Museu do Telefone no Flamengo, que preserva seu exterior e revoluciona os seus interiores, do jovem arquiteto Gustavo Martins e seus sócios; a Galeria Progetti na Travessa do Comércio, que cria, com maestria, um pequeno espaço em planta mas altíssimo, do jovem arquiteto Pedro Rivera, são pequenas amostras do que pode ser feito em grande no Porto.

O Porto necessita do talento desses e de outros arquitetos cariocas. Tanto dos muito jovens já com experiência, quanto dos poucos veteranos que compreendem a contemporaneidade.

Com a corretíssima transferência dos principais equipamentos olímpicos para a área do porto como a Vila Olímpica, o “Porto Maravilha” terá que ser reformulado. É um bom momento para refazê-lo leve, coerente com a contemporaneidade e não como um pesado Brucutu do meio do século passado.

Para induzir o retrofit basta que o volume legislado seja igual ao volume já construído e preservados os alinhamentos de fachada existentes. Pode e deve haver exceções, como torres finas e altas, mas de forma que não interfiram na bela paisagem. O Urbanismo é tridimensional: é necessário que se façam planos de massa e simulações tridimensionais do novo e do todo. Em seguida vendem-se os imóveis em hasta pública. Nisso o “Porto Maravilha” está certo: a venda dos imóveis e a conseqüente e indispensável participação da iniciativa privada."

2 comentários:

  1. Flávio Ferreira diz: "o Porto necessita do talento desses e de outros arquitetos cariocas". E Flávio tem toda razão. Pois não são os bons arquitetos que precisam do porto. É o porto que precisa dos bons arquitetos. Antes que seja tarde. Antes que a pressa e o açodamento destruam o que, por vias tortas, o abandono, de algum modo, preservou. Otavio Leonídio.

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  2. Arquiteto Carioca9/10/09 19:47

    Ué mas a arquitetura brasileira não se mudou pra São Paulo?
    Melhor fazer a encomenda na ponte aérea...

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