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Disque-Choque / O Rio está vivendo um período, no mínimo, curioso. O chamado “Choque de Ordem”, praticado desde janeiro pela recém-criada Secretaria Especial de Ordem Pública, pode ser flagrado cotidianamente nas ruas: carros estão sendo rebocados, construções irregulares demolidas, vendedores ambulantes forçados a se cadastrar. Numa cidade entregue ao mais completo abandono nos últimos anos, é um sinal de mudança cujo componente simbólico convém a um prefeito jovem e ambicioso, como não poderia deixar de ser. Mas a espantosa ausência de um pensamento mais amplo sobre a cidade, e de uma política urbana que o acompanhe, me impedem de comemorar como eu bem gostaria.

Há poucos dias me deparei com mais uma dessas ações na zona sul da cidade. E pela primeira vez, dei-me conta de que a operação necessária para rebocar um único automóvel mobiliza outros tantos veículos, além do reboque propriamente dito, e várias pessoas (entre guardas de trânsito, fiscais, motoristas e operadores do guincho, contei algo em torno de 10 homens). Ora, numa metrópole como o Rio de Janeiro, cuja mobilidade já é tão sacrificada por sua situação geográfica, é de se perguntar se uma tal operação, conforme tem sido conduzida, não tem conseqüências mais negativas que positivas. Penso, por exemplo, no impacto – em termos de poluição do ar, consumo de combustível e congestionamento do sistema viário - causado pelo deslocamento do comboio da prefeitura até o local da ocorrência, o transtorno provocado pela obstrução de uma ou mais vias públicas até que a remoção do veículo infrator se consume (o que pode levar uma hora ou mais) etc. Somo a isso o deslocamento do comboio de volta até os depósitos públicos municipais – localizados em áreas centrais e com funcionamento limitado aos dias úteis, de 9 às 18 horas (ou seja, justamente no período em que há mais veículos circulando pelas ruas da cidade). Mais o deslocamento do próprio proprietário do veículo, que, mesmo esbravejando muito, não tem outra alternativa senão resgatá-lo pessoalmente. Feitas as contas, será que o reboque de um ou dois carros estacionados irregularmente justifica todo esse impacto? Quanto se consome, em termos financeiros e ambientais, a cada operação do gênero? Será que o número de carros rebocados por dia em todo o município (cerca de 20, segundo dados divulgados pela Secretaria de Ordem Pública relativos ao mês de fevereiro de 2009) é alto o suficiente, em termos percentuais, quando se considera o conjunto da frota motorizada do Rio de Janeiro? Não defendo o descumprimento do Código de Trânsito, e muito menos a ocupação irregular do espaço público. Mas o problema, me parece, está na situação crítica desta cidade, cujo desregramento exige muito mais que um “choque”.

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