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Deodoro / Dentre tudo o que foi e tem sido construído no Rio na última década, um dos projetos de maior qualidade arquitetônica é o Centro Nacional de Tiro Esportivo, situado dentro da Vila Militar, em Deodoro.

Construído para os Jogos Panamericanos de 2007, o CNT é projeto do escritório BCMF (Bruno Campos, Marcelo Fontes e Silvio Todeschini), de Belo Horizonte, e integra um complexo esportivo de aproximadamente 100.000 m2 de área construída que inclui instalações para a prática de Hipismo, Hóquei sobre Grama e Pentlato Moderno, em terreno de cerca de 1 milhão de m2.
Por situar-se em área militar, de acesso restrito, a obra permanece isolada da cidade e praticamente desconhecida da maioria dos cariocas, e mesmo dos arquitetos brasileiros. Desde que foi inaugurado, no entanto, o conjunto tem recebido amplo reconhecimento internacional: foi capa da prestigiosa revista espanhola “Arquitectura Viva”, publicado e exposto em vários países (Alemanha, Estados Unidos, Coreia do Sul, Londres, Espanha, Argentina, Portugal) e premiado mais de uma vez, inclusive em importante premiação mundial de arquitetura esportiva patrocinada pelo próprio Comitê Olímpico Internacional (Medalha de Ouro no 2010 IAKS LAC/International Association for Sports and Leisure Facilities / Seção América Latina e Caribe; Special Prize no IOC / IAKS Award 2011 em Colônia, na Alemanha, e finalista do prêmio da VI Bienal Ibero Americana de Arquitetura e Urbanismo de Lisboa (2008) na Categoria "Obra de Jovem Autor”).

Desde que visitei o CNT com um grupo de alunos e professores, há três anos, não canso de citar a obra como referencia em termos do que de melhor foi produzido no Rio nas últimas décadas, no que diz respeito à organização do programa, implantação, detalhamento, pensamento estrutural, qualidade espacial e construtiva. Considero a relação da edificação com o sítio e a paisagem montanhosa uma aula de arquitetura. E em alguns momentos – como ao me deslocar sob o grid suspenso do para-balas – senti aquele prazer raro que só a experiência da arquitetura oferece.







Pois bem, ao saber que parte das instalações olímpicas haviam sido deslocadas para Deodoro, logo me animei com o que se anunciava: a requalificação de uma área suburbana, a integração daquela região quase esquecida ao resto da cidade por meio do BRT Transolímpica (ligando Deodoro a Barra da Tijuca), além de um projeto de recuperação ambiental da área. Também não pude deixar de me perguntar que relação seria estabelecida com o CNT pelo novo projeto – objeto de licitação pública vencida pelo consórcio Vigliecca Marobal, integrado pelo escritório de Hector Vigliecca, arquiteto de origem uruguaia baseado em São Paulo, que respeito e admiro desde o projeto para o Sesc Nova Iguaçu.  
Vigliecca é um arquiteto com sólida formação teórica e uma prática projetual de alto nível, que inclui projetos em várias escalas, programas e cidades, muitos deles premiados e vencedores de concursos públicos. Tem também larga experiencia em projetos urbanísticos e esportivos: além de ter vencido o concurso de modernização do Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo, é responsável pelo belo projeto do Arena Castelão, em Fortaleza, que passou por uma ampla reforma para se tornar um dos estádios da Copa de 2014. 
 
Em associação com a empresa portuguesa de engenharia Marobal, o escritório - recentemente instalado no Rio, onde trabalha também num dos projetos de urbanização de favelas do programa Morar Carioca - vem desenvolvendo há alguns meses o plano urbanístico do Complexo Esportivo de Deodoro, onde estão previstas competições em nove modalidades (hipismo, hóquei, tiro, cross country, esgrima, pentatlo moderno, mountain bike, BMX e canoagem slalom).
 
O silêncio sobre o andamento do projeto começa me preocupar, no entanto. Sei bem da pressão que arquitetos envolvidos nos projetos em curso tem sofrido com as exigências de organismos internacionais como o COI e a FIFA, cujas urgências e interesses costumam se alinhar muito mais com a lógica dos investimentos empresariais do que com os interesses públicos, o compromisso com a construção de uma cidade igualitária e a preservação do patrimônio arquitetônico da cidade  (basta ver o Maracanã, brutalmente desfigurado e convertido em mais um estádio padrão FIFA).
 
Seria preciso tornar público, logo, o que de fato está sendo pensado para toda aquela área de Deodoro, e que relação o projeto atualmente em andamento estabelece com as obras de qualidade já construídas ali. Por ora, o máximo que encontrei disponível publicamente, no site da Rio 2016, é um vago “projeto conceitual”, que fala em construção de novas estruturas (temporárias e permanentes) e “readequação” de instalações existentes, dentre elas o CNT.
 

 
Confio plenamente na equipe responsável pelo projeto atual e não tenho dúvida de que ela tem a experiência e a capacidade necessária para desenvolver um projeto de qualidade que cumpra com os compromissos definidos na licitação sem desrespeitar o projeto original do CNT. O que não sei é até que ponto isso será suficiente, diante das pressões de prazo e redução de custos que tem sido impostas aos projetos e obras em curso no Rio, e num quadro complexo disputado por um número particularmente elevado de agentes distintos (Prefeitura, Exercito, Governo do Estado, COI, Rio 2016, Empresa Olimpica, Federação Internacional de Tiro Esportivo e provavelmente outros que desconheço).
Temo, sinceramente, que os termos “projeto conceitual” e “readequação”, usados na divulgação do projeto, sejam vagos o suficiente para permitir qualquer coisa – inclusive a descaracterização do CNT, mesmo que à revelia dos arquitetos atualmente responsáveis pela área. Em todo caso, eu gostaria de ter a certeza de que uma das poucas obras relevantes de arquitetura contemporânea na cidade será preservada, e que não perderemos com as Olimpíadas o pouco que o Pan nos deixou como legado.

 
 



(Aqui, artigo publicado na revista inglesa Dezeen sobre o projeto do CNT:
E aqui, o projeto do Parque Olímpico de Deodoro, conforme publicado no site da Rio2016:

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