Posto 11 / nov 13


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Río Boom / "Post Scriptum" na última edição da revista argentina Summa+, que acabo de receber:

"Río Boom
 
por Ana Luiza Nobre
 
 
Que há um boom da arquitetura no Rio de Janeiro hoje, ninguém duvida. Em função dos grandes eventos esportivos que vem por aí (Copa do Mundo em 2014, Jogos Olímpicos e Paralímpicos em 2016), a cidade vive um processo acelerado de transformação. Dois museus foram inaugurados nos últimos meses: o MAR/Museu de Arte do Rio e a Casa Daros Latinoamericana. E há pelo menos dois em construção: o Museu do Amanhã e o Museu da Imagem e do Som. Lugares históricos e carregados de simbolismo foram ou estão sendo drasticamente transformados, como o estádio do Maracanã e seus arredores. Vários concursos públicos tem sido realizados, como o do Parque Olímpico, o Porto Olímpico e o Morar Carioca (os dois primeiros destinados a instalações olímpicas, e o último, à meta ambiciosa de urbanizar 260 favelas até 2020). Diversas obras grandiosas de infra-estrutura tem sido executadas, como os teleféricos do Complexo do Alemão (Penha) e do Morro da Providência (Centro), e o Elevador do Cantagalo, em Ipanema. O metrô está sendo ampliado e 4 linhas de corredores expressos para ônibus estão sendo construídas. Um pacote de incentivos fiscais para o setor hoteleiro foi aprovado pela prefeitura.   E na área portuária, emblema máximo das operações em curso, a demolição do elevado da Perimetral segue junto com a abertura de quatro quilômetros de túneis, incluindo trechos escavados sob o centro histórico do Rio de Janeiro e alguns de seus sítios de maior valor histórico, paisagístico e simbólico para a cidade, como o Morro de São Bento e o Morro da Saúde.
Não resta dúvida de que a arquitetura tem um papel central nesse processo. E não por acaso, arquitetos consagrados de várias gerações e latitudes tem batido à porta da prefeitura, das escolas de arquitetura e/ou dos escritórios cariocas. Ao mesmo tempo em que prestigiosas escolas estrangeiras intensificam bases e contatos com arquitetos, empreendedores e instituições locais, enquanto promovem animados workshops e projetos que frequentemente envolvem temas relacionados ao Rio.
Tudo isso é bastante novo - não tem mais que 3 ou 4 anos – e era impensável até pouco tempo atrás, sobretudo para quem (como eu) estudou arquitetura na década de 1980, a assim chamada “década perdida”, caracterizada por uma dura recessão econômica e por uma brutal desaceleração de todas as atividades ligadas à construção civil no Brasil. Na verdade, o boom atual da arquitetura no Rio de Janeiro não pode ser dissociado do fato de que as circunstâncias históricas do país como um todo ─ seu lugar na geografia da cultura e da economia contemporâneas ─ são hoje fundamentalmente diferentes do que eram há dez ou vinte anos atrás. E isso em função de um quadro complexo ligado a vários fatores, como a crescente estabilidade política e econômica, o aumento da segurança para investimentos e da disponibilidade de recursos financeiros públicos e privados, a descoberta do pré-sal, e claro, também a crise econômica mundial – que, confirmando as expectativas do então presidente Lula, parece ter chegado aqui de fato como uma “marola” (se comparada à tsunami que atingiu países como Itália, Espanha e Estados Unidos, por exemplo).
Essa situação não decorre, em todo caso, de pressões exercidas de dentro da disciplina. Ao contrário, no campo da prática da arquitetura no Rio de Janeiro, as últimas décadas foram marcadas, de uma maneira geral, pela ausência de uma produção mais significativa, sobretudo quando comparada à intensa produção da arquitetura paulista nos anos 90 – culminante com o reconhecimento internacional de Paulo Mendes da Rocha, premiado com o Pritzker em 2006.
Olhando retrospectivamente a produção projetual carioca, pode-se dizer que a maior contribuição do Rio nesse período foi dada em termos de duas experiências concomitantes, mais ligadas ao campo do urbanismo: o laboratório de desenho urbano que foi o projeto Rio-Cidade, e o processo de urbanização de favelas iniciado com o programa Favela-Bairro, implantados respectivamente em 1993 e 1994.  Ao mesmo tempo, o campo acadêmico abriu-se para a reflexão historiográfica e para os estudos culturais, com trabalhos que ofereceram uma contribuição significativa para a discussão crescente sobre a experiência moderna no Brasil, em sua desafiadora singularidade e complexidade.
Em todo caso, assim como a arquitetura brasileira, de uma maneira geral, a arquitetura carioca enfrentou de uma maneira muito singular a radicalização do campo nos anos 1960, tendendo a distanciar-se do debate teórico internacional num quase autismo que durou décadas. Em parte isso pode ser explicado pelo acirramento das tensões políticas no país, após 1964, e pelas restrições impostas ao exercício do pensamento crítico, em todas as esferas, sob o regime militar. Mas em parte, também, pela autoconfiança talvez excessiva gerada pelo sucesso sem precedentes da arquitetura brasileira – e carioca, em particular - nas décadas de 1940 e 50, que culminou com Brasília, espécie de “canto do cisne” da arquitetura moderna no Brasil. 
Mas o fato é que a crise do idealismo moderno, que levou a uma crítica profunda da disciplina da arquitetura e do urbanismo na segunda metade do século XX, também chegou aqui como uma “marola”, se tanto. O problema da linguagem, por exemplo, que levou ao questionamento profundo da representação por parte de arquitetos como Peter Eisenman, permaneceu praticamente intocado aqui, onde no máximo encontramos ecos – nem sempre muito elaborados - de Rossi, Venturi e Lynch.
Sim, talvez o legado dos grandes eventos para os quais a cidade se prepara possa não ser um projeto ou uma edificação, propriamente, mas uma mudança de pensamento e de postura no meio da arquitetura local. Mas a questão mais premente hoje é como a arquitetura carioca vai responder simultaneamente à urgência exigida pelo calendário dos programas políticos, dos investimentos e dos megaeventos internacionais, e às questões colocadas à prática e à disciplinaridade nos últimos tempos, dentro de um debate do qual na verdade pouco acompanhou e menos ainda participou. 
A pressa que domina o atual processo de transformação da cidade pode não ser de todo nova, já que pelo menos duas vezes o Rio se viu diante de urgência semelhantes: no início do século XIX, com a transferência da Corte portuguesa, e no início do século XX, com as reformas do prefeito e engenheiro Pereira Passos. Mas se o boom atual da arquitetura carioca for mesmo apenas o resultado de fenômenos extra-arquitetônicos, aí sim teremos razões para nos preocupar."
 
 











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