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Río Boom / "Post Scriptum" na última edição da revista argentina Summa+, que acabo de receber:
"Río Boom
por Ana Luiza Nobre
Que há um boom
da arquitetura no Rio de Janeiro hoje, ninguém duvida. Em função dos grandes eventos esportivos que vem
por aí (Copa do Mundo em 2014, Jogos Olímpicos e Paralímpicos em 2016), a
cidade vive um processo acelerado de transformação. Dois museus foram inaugurados
nos últimos meses: o MAR/Museu de Arte do Rio e a Casa Daros Latinoamericana. E
há pelo menos dois em construção: o Museu do Amanhã e o Museu da Imagem e do
Som. Lugares históricos e carregados de simbolismo foram ou estão sendo
drasticamente transformados, como o estádio do Maracanã e seus arredores.
Vários concursos públicos tem sido realizados, como o do Parque Olímpico, o
Porto Olímpico e o Morar Carioca (os dois primeiros destinados a instalações
olímpicas, e o último, à meta ambiciosa de urbanizar 260 favelas até 2020).
Diversas obras grandiosas de infra-estrutura tem sido executadas, como os
teleféricos do Complexo do Alemão (Penha) e do Morro da Providência (Centro), e
o Elevador do Cantagalo, em Ipanema. O metrô está sendo ampliado e 4 linhas de
corredores expressos para ônibus estão sendo construídas. Um pacote de
incentivos fiscais para o setor hoteleiro foi aprovado pela prefeitura.
E
na área portuária, emblema máximo das operações em curso, a demolição do
elevado da Perimetral segue junto com a abertura de quatro quilômetros de
túneis, incluindo trechos escavados sob o centro histórico do Rio de Janeiro e
alguns de seus sítios de maior valor histórico, paisagístico e simbólico para a
cidade, como o Morro de São Bento e o Morro da Saúde.
Não
resta dúvida de que a arquitetura tem um papel central nesse processo. E não
por acaso, arquitetos consagrados de várias gerações e latitudes tem batido à
porta da prefeitura, das escolas de arquitetura e/ou dos escritórios cariocas.
Ao mesmo tempo em que prestigiosas escolas estrangeiras intensificam bases e
contatos com arquitetos, empreendedores e instituições locais, enquanto
promovem animados workshops e projetos que frequentemente envolvem temas
relacionados ao Rio.
Tudo
isso é bastante novo - não tem mais que 3 ou 4 anos – e era impensável até
pouco tempo atrás, sobretudo para quem (como eu) estudou arquitetura na década
de 1980, a assim chamada “década perdida”, caracterizada por uma dura recessão
econômica e por uma brutal desaceleração de todas as atividades ligadas à
construção civil no Brasil. Na verdade, o boom
atual da arquitetura no Rio de Janeiro não pode ser dissociado do fato de que
as circunstâncias históricas do país como um todo ─ seu lugar na geografia da
cultura e da economia contemporâneas ─ são hoje fundamentalmente diferentes do
que eram há dez ou vinte anos atrás. E isso em função de um quadro complexo
ligado a vários fatores, como a crescente estabilidade política e econômica, o
aumento da segurança para investimentos e da disponibilidade de recursos
financeiros públicos e privados, a descoberta do pré-sal, e claro, também a
crise econômica mundial – que, confirmando as expectativas do então presidente
Lula, parece ter chegado aqui de fato como uma “marola” (se comparada à tsunami
que atingiu países como Itália, Espanha e Estados Unidos, por exemplo).
Essa
situação não decorre, em todo caso, de pressões exercidas de dentro da
disciplina. Ao contrário, no campo da prática da arquitetura no Rio de Janeiro,
as últimas décadas foram marcadas, de uma maneira geral, pela ausência de uma
produção mais significativa, sobretudo quando comparada à intensa produção da
arquitetura paulista nos anos 90 – culminante com o reconhecimento
internacional de Paulo Mendes da Rocha, premiado com o Pritzker em 2006.
Olhando
retrospectivamente a produção projetual carioca, pode-se dizer que a maior contribuição
do Rio nesse período foi dada em termos de duas experiências concomitantes, mais
ligadas ao campo do urbanismo: o laboratório de desenho urbano que foi o
projeto Rio-Cidade, e o processo de urbanização de favelas iniciado com o
programa Favela-Bairro, implantados respectivamente em 1993 e 1994. Ao mesmo tempo, o campo acadêmico abriu-se
para a reflexão historiográfica e para os estudos culturais, com trabalhos que ofereceram
uma contribuição significativa para a discussão crescente sobre a experiência
moderna no Brasil, em sua desafiadora singularidade e complexidade.
Em
todo caso, assim como a arquitetura brasileira, de uma maneira geral, a
arquitetura carioca enfrentou de uma maneira muito singular a radicalização do
campo nos anos 1960, tendendo a distanciar-se do debate teórico internacional
num quase autismo que durou décadas. Em parte isso pode ser explicado pelo
acirramento das tensões políticas no país, após 1964, e pelas restrições
impostas ao exercício do pensamento crítico, em todas as esferas, sob o regime
militar. Mas em parte, também, pela autoconfiança talvez excessiva gerada pelo
sucesso sem precedentes da arquitetura brasileira – e carioca, em particular -
nas décadas de 1940 e 50, que culminou com Brasília, espécie de “canto do
cisne” da arquitetura moderna no Brasil.
Mas
o fato é que a crise do idealismo moderno, que levou a uma crítica profunda da
disciplina da arquitetura e do urbanismo na segunda metade do século XX, também
chegou aqui como uma “marola”, se tanto. O problema da linguagem, por exemplo,
que levou ao questionamento profundo da representação por parte de arquitetos
como Peter Eisenman, permaneceu praticamente intocado aqui, onde no máximo
encontramos ecos – nem sempre muito elaborados - de Rossi, Venturi e Lynch.
Sim,
talvez o legado dos grandes eventos para os quais a cidade se prepara possa não
ser um projeto ou uma edificação, propriamente, mas uma mudança de pensamento e
de postura no meio da arquitetura local. Mas a questão mais premente hoje é
como a arquitetura carioca vai responder simultaneamente à urgência exigida
pelo calendário dos programas políticos, dos investimentos e dos megaeventos
internacionais, e às questões colocadas à prática e à disciplinaridade nos
últimos tempos, dentro de um debate do qual na verdade pouco acompanhou e menos
ainda participou.
A pressa que domina o atual processo de transformação da cidade pode não ser de todo nova, já que pelo menos duas vezes o Rio se viu diante de urgência semelhantes: no início do século XIX, com a transferência da Corte portuguesa, e no início do século XX, com as reformas do prefeito e engenheiro Pereira Passos. Mas se o boom atual da arquitetura carioca for mesmo apenas o resultado de fenômenos extra-arquitetônicos, aí sim teremos razões para nos preocupar."
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