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 Bolha fervente 
 
 
"As cidades se reconhecem pelo andar, como as pessoas. Abrindo os 
olhos, o recém-chegado deduziria o mesmo da vibração do movimento nas 
ruas, muito antes que de qualquer detalhe típico. Ainda que fosse só 
imaginação, não importa. A supervalorização da pergunta: onde estou? vem
 do tempo dos nômades, em que era preciso registrar os locais de 
pastagem. Seria importante saber por que, ao falarmos de um nariz 
vermelho, nos contentamos que seja vermelho, sem nos importarmos com o 
tom especial de vermelho, embora este possa ser descrito com exatidão em
 micromilímetros, pela frequência das ondas. Mas numa ocasião tão mais 
complexa como a cidade em que nos encontramos, sempre gostaríamos de 
saber exatamente que cidade é. Isso nos distrai de pontos mais 
importantes.
Portanto, não se dê valor maior ao nome da cidade. Como todas as cidades grandes, era feita de irregularidade, mudança, avanço, passo desigual, choque de coisas e acontecimentos, e, no meio disso tudo, pontos de silêncio, sem fundo; era feita de caminhos e descaminhos, de um grande pulsar rítmico e do eterno desencontro e dissonância de todos os ritmos, como uma bolha fervente pousada num recipiente feito da substância duradoura das casas, leis, ordens e tradições históricas."
Robert Musil, O homem sem qualidades, 1930
(obrigada, Bruno)
fonte da foto: http://www.grunz.com.br/fotos-incriveis-do-protesto-em-sao-paulo-em-tempo-real/
 
 
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