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Estética / Senti um fio de esperança ao ler o editorial de ontem do jornal "O Globo". Mas o foco na estética me pareceu equivocado. As questões envolvidas nas transformações urbanas em causa, afinal, são muitas, e bem mais complexas. E se o apelo ao "bom gosto" pode servir para sensibilizar o grande público, ele não pode se sobrepor a todos os outros aspectos - ambientais, técnicos, sociais, políticos etc  - que se encontram profundamente articulados e imbricados na dinâmica da cidade contemporânea. Reduzir essa multiplicidade ao ponto de vista da estética urbana é retornar a uma discussão típica do século XIX, que é preciso superar para enfrentar a complexidade do processo urbano que estamos vivendo.
Ao mesmo tempo, não acredito que a simples mediação de arquitetos nos processos de aprovação de projetos  urbanos possa oferecer garantia contra os desvarios que tem surgido por aqui. Ou não são de arquitetos, também, muitos desses mesmos desvarios, conforme frequentemente temos visto nas páginas do próprio jornal?
Subscrevo  a conclusão do texto, de qualquer modo: "não se pode deixar que uma solução gere uma infinidade de problemas."

Segue o texto completo:
"Descuido com a estética na cidade do Rio

Não se sabe ao certo o motivo, mas talvez a tamanha exuberância da natureza local faça o carioca, e em especial o poder público, não dedicar o merecido cuidado à estética nas intervenções que faz na cidade.
Mesmo quando governantes agem na direção certa, encontram dificuldades. Caso da regulação da publicidade ao ar livre feita pela prefeitura por meio do decreto Rio Limpo, ainda na dependência de decisão judicial para vigorar em toda a cidade. Há evidentes excessos em outdoors e peças publicitárias em empenas de edifícios, mas nem sempre o óbvio é aceito por todos. Sequer o efeito positivo de regulação semelhante feita em São Paulo convence certos setores.

A conjugação de mar e montanha, em doses majestosas, faz a fama mundial do Rio. Mesmo assim — e até por isso mesmo —, é preciso cuidar para que a poluição publicitária, edificações e projetos mal concebidos não manchem a paisagem.

Outro mau exemplo é o de estações do metrô, em que se destaca a da Praça General Osório, algo como uma carapaça em forma de croissant. Não tem qualquer harmonia com o entorno. Há, ainda, horrendas torres de ventilação de estações, e assim por diante.

O presente caso do píer em Y, incrustado, pela vontade de Docas, na altura da Praça Mauá, dá pistas de por que acontecem estas agressões ao bom-senso arquitetônico e ao bom gosto estético. Situado, nas pranchetas da empresa, ao lado do Píer Mauá, o ancoradouro em Y permite ancorar enormes transatlânticos, de altura de arranha-céus, ao lado do Museu do Amanhã e não muito distante do Museu de Arte do Rio (MAR).
Basta um olhar de especialista para perceber que a composição arquitetônica daquela região, no alto da qual está o tombado Mosteiro de São Bento, será prejudicada pela presença destes supernavios. Mas a máquina burocrática funciona com base em razões próprias. Docas resolveu mudar o local do ancoradouro em Y porque próximo ao Píer Mauá já existe profundidade para o atracamento de grandes navios. Foi uma decisão de engenharia, digamos, sem qualquer consulta a outros técnicos.

Do ponto de vista burocrático, tudo certo, tanto que o projeto recebeu licença ambiental. Se o novo cais faz sombra para uma área-chave do projeto de revitalização do Porto, isto não é problema do burocrata que o aprovou. É assim que (não) funciona a máquina.

Estações, torres de ventilação do metrô que mais parecem seres extraterrenos, o novo píer e tantos outros projetos equivocados que existem no Rio deveriam levar à formulação de um modo multidisciplinar de se fazer e aprovar projetos de impacto na cidade, para sempre prever na sua tramitação a mediação de arquitetos, por meio, até mesmo, de suas entidades representativas.

O Rio passa por um ciclo muito bem-vindo de grandes obras. Não se pode deixar que uma solução gere uma infinidade de problemas."

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