Posto 07 / jul 11

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Ministério / Passei uns dias desplugada, e na volta, encontro uma série de emails alarmantes sobre as obras de recuperação do edifício-sede do Ministério da Educação, atual Palácio Gustavo Capanema. Nem tive tempo de me informar corretamente ainda, mas transcrevo a seguir um dos documentos que me chegaram, assinado por Maria Elisa Costa (arquiteta, filha de Lucio Costa e presidente em exercício da Casa de Lucio Costa).


"EM DEFESA DO PALÁCIO CAPANEMA


O assunto é importante e urgente: por um lado, cogita-se de propor à UNESCO a inclusão do antigo Ministério da Educação e Saúde na lista dos Bens Culturais da Humanidade; e por outro, existe o propósito de instalar no edifício um Centro de formação de técnicos para o IPHAN (inclusive denominado Centro Lucio Costa) cuja criação contará com suporte da UNESCO através de Projeto de Cooperação Técnica Internacional.


Diante de um programa tão ambicioso, percebe-se uma tendência a pensar na adaptação dos novos usos ao edifício com grande desenvoltura, como se o Capanema fosse um prédio normal – corre-se o risco de que os responsáveis (IPHAN e UNESCO) se esqueçam do mais importante: a preservação da integridade arquitetônica do edifício, que ocupa um lugar excepcional no movimento moderno, não apenas no Brasil, mas internacionalmente.


A inclusão do antigo “Ministério” na lista do Patrimônio Mundial se justifica, inclusive, por duas características de particular significação:

1 – O exemplar cuidado com o meio ambiente, não apenas pela proteção da fachada norte com quebra-sol, mas no sentido de tirar proveito das condições naturais propiciadas pela localização do edifício em frente à barra da baia de Guanabara, ou seja, dispondo de ventilação natural constante – preocupação pioneira, já que, em 1936 (data do projeto) tal abordagem não era prioritária, como hoje é.


Assim, a instalação de ar condicionado central no prédio, além de um contra-senso, seria trair o caráter ecológico pioneiro que lhe é inerente.


Passo a palavra a Lucio Costa, transcrevendo trecho de carta por ele enviada em 1986 ao então Ministro da Cultura Celso Furtado:
“A ventilação natural foi devidamente estudada, antecipando-se, pois, ao atual movimento internacional no sentido da retomada do conceito de “arquitetura bioclimática”, em boa hora assumido por Joaquim Francisco de Carvalho: de fato, graças à caixilharia movediça em todos os vãos do prédio, quando a viração for leve pode-se deixar o caixilho menor descer externamente no peitoril; quando ventar, basta deixar apenas uma nesga aberta de cerca de 6cm junto ao teto, isto para impedir o tilintar das lâminas soltas das venezianas: é quanto basta para estabelecer corrente de ar com os vãos livremente abertos da fachada norte protegida por “quebra-sol” que, conquanto velhos de meio século, não devem ser substituídos, como se pretende, pois ainda funcionam normalmente e podem ser recuperados; apenas nos gabinetes extremos, onde a prumada dos elevadores bloqueia essa ventilação cruzada, cabe instalar – como aliás em alguns casos já ocorre – ar-condicionado.”

Entretanto, para desespero de Lucio Costa, a recomendação da abertura de fresta de 6 cm junto ao teto nunca foi experimentada – as pessoas esquecem, inclusive, que todos os painéis envidraçados da fachada sul são móveis – e só usam a parte de baixo, ou seja, quando venta, os papeis, naturalmente, voam. Seria uma homenagem a ele levar a sério, hoje, a sua proposta, e verificar, ao vivo, o resultado.


2 – O objetivo de integrar ao espaço arquitetônico obras de arte do melhor quilate, que ali, além de seu valor individual, passaram a fazer parte de um todo maior – incluídas como peças não apenas participantes, mas essenciais à própria expressão arquitetônica – compreendida como uma modalidade de “partitura musical” – da qual fazem também parte o mobiliário, as luminárias, enfim, todo o equipamento de ambientação interna: o “Ministério” é um todo.

As imagens anexas da disposição interna do grande saguão que contém o mural de Portinari falam por si: na primeira, em preto e branco, o original, e na segunda a desastrada inclusão de sancas no teto para iluminar o painel, além de um cordão de isolamento e mais o deslocamento das cadeiras – ou seja, retirando do painel a sua função de parte integrante do espaço arquitetônico, melancolicamente transfigurado em mera sala de qualquer museu.

O fundamental é que toda e qualquer intervenção física no prédio tenha como objetivo principal não comprometer sua identidade original em nome dos novos usos, quaisquer que sejam.

Maria Elisa Costa
Rio, 5 de julho de 2011"


Depois disso recebo um outro email, também de Maria Elisa, assustada com a notícia de que a licitação para as obras no edifício foi feita pelo menor preço, sem qualificação prévia. Segundo ela, o resultado foi que ganharam duas empresas de São Paulo e uma de Curitiba, inteiramente alheias ao prédio.


Repito que não sei de nada ainda, mas tenho um aperto no coração. E como ando lendo Rubem Braga, logo me pergunto: "será que só eu sou assim, ou os outros disfarçam melhor?"

Um comentário:

  1. Comparto o aperto no coração. Uma licitação por menor preço, sem qualificação, sem nenhuma vivência sobre o prédio, um ícone da Arquitetura mundial. Nem parece que vivemos na cidade e no país berço da revolução que foi o Modernismo Brasileiro e todos seus desdobramentos. Nem parece que temos toda uma classe de arquitetos qualificados. Infelizmente, exemplos de falta de bom senso em relação à memória, à cidade e à arquitetura, temos e muitos, a casa onde morou Machado de Assis deu lugar a um bar, o palácio Monroe...a um...estacionamento! Estacionados no espaço e no tempo ficaremos, se o legado histórico arquitetônico continuar a ser tratado assim.

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