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Inútil paisagem / Mas pra que tanto céu, pra que tanto mar? Choro a perda de Fernando Chacel. Já sinto a falta que sua inteligência, integridade e coragem farão a mim e a minha cidade, justamente no momento em que nossa paisagem está em vias de ser tão transformada. E só o que consigo fazer, de imediato, é recuperar a conversa que Andres Passaro e eu tivemos com ele, alguns anos atrás:

"Andres Passaro: Como seria a cidade dos seus sonhos?

Fernando Chacel: Sou muito urbano. Jamais moraria num lugar bucólico, fora da cidade... Creio que não mesmo. Então a cidade dos meus sonhos teria que estar de acordo com o conceito de sustentabilidade, em que a natureza pudesse participar da área urbana de uma maneira efetiva e que essa urbanização fosse feita em cima da capacidade de suporte da natureza. Penso numa cidade equilibrada, harmoniosa, saudável, e para isso tem que haver um intercurso amoroso entre reurbanização, conservação e preservação dos recursos naturais.

AP: Essa cidade já foi projetada? Ela existe?

FC: Não. Talvez alguns focos...

Ana Luiza Nobre: O Central Park, em Nova York, não seria um pouco isso?

FC: O Central Park é um parque dentro de uma cidade. Mas vai além de um parque, do gerenciamento de um recurso natural. Vai além de uma postura ética.

ALN: Como você vê Brasília?

FC: Brasília foi um experimento extraordinário. Para mim, há duas grandes figuras do século XX nas artes do paisagismo, da arquitetura e urbanismo: Oscar Niemeyer e Roberto Burle Marx. As poucas coisas que eles fizeram juntos são muito bonitas. Agora, o paisagismo de Brasília, tirando a obra de Burle Marx, é um grande equívoco. Nunca se trabalhou com a paisagem do cerrado. O grande problema é esse. O crescimento das plantas exóticas no Brasil é muito rápido e muito mais visível do que o cerrado. E isso é complicado, porque no imaginário das pessoas cria um certo imediatismo. As pessoas querem ter uma árvore secular em casa. Mas o grande problema de Brasília em relação à paisagem é que o cerrado tem possibilidades fantásticas. O problema é a dificuldade de aceitação da estética da ecologia.

AP: Você gostaria de morar em Brasília?

FC: Não, a minha experiência de cidade é outra. Mas muitas pessoas gostam de morar lá.

ALN: Lucio Costa dizia que Brasília deveria ter técnica viária e técnica paisagística. A técnica paisagística falhou, então?

FC: Falhou. Nunca foi dado ao Burle Marx, por exemplo, a possibilidade de fazer um parque.

ALN: Na Novacap não havia nenhum paisagista?

FC: Não. Ou tinha, mas, não da estatura do Burle Marx.

AP: Eu moro no Flamengo e uso muito o Parque do Flamengo. E acho o Parque muito interessante como flora, mas uma paisagem vazia como fauna. Acho que o desenho de Burle Marx excluiu a Mata Atlântica, por exemplo, ao trazer aquele exótico...

FC: Mas ainda tem muita coisa de Mata Atlântica ali dentro. Agora, quanto à fauna, realmente, você tem razão. Talvez por falta de nichos florestais, não é? Mas ele é tipicamente um parque urbano.Tem uma coisa que eu acho muito interessante no Parque do Flamengo: ele não concorre com a paisagem extraordinária que tem aqui, mas é digno, muito digno dentro dessa paisagem. Porque era muito difícil fazer alguma coisa nessa paisagem com todos esses ícones.

AP: É um mundo, uma natureza constantemente pressionada, não é? Eu vejo o arquiteto-urbanista ou paisagista desenhando e fazendo suas opções. Ou seja, deixando de lado umas coisas e incorporando outras. Isso significa que o que não está no desenho vai ser extinto?

FC: É. Você tem uma idéia do que vai acontecer, mas não tem uma garantia de que aquilo que está projetando vai acontecer daquela maneira. Tem sempre um desenho paisagístico dentro disso, mas talvez ele não forme um estilo de desejo. Ele é mais um gesto em relação à paisagem do que propriamente uma afirmação sua em relação à paisagem. Talvez caminhe um pouco por aí.

ALN: Como você lida com os problemas de manutenção e preservação do seu projeto? O Parque Dois Irmãos, por exemplo, no Leblon, foi muito violentado pela escultura colocada lá.

FC: Realmente fiz um trabalho muito cuidadoso ali, preocupado com o monumento que é o Morro dos Dois Irmãos. Depois veio aquela escultura... Fiz esse trabalho como contratado da Engenharia Ambiental. A firma ganhou o contrato e começou a ter alguma dificuldade de projetar, então me chamaram. Fiz um estudo e levei-o para a Secretaria de Meio Ambiente, onde o Alfredo Sirkis era secretário. Eu tinha feito uma perspectiva aérea para ele poder ver o parque, aí ele perguntou: - Chacel, o que eu vou poder ver da Delfim Moreira? E eu disse: - Você não vai ver absolutamente nada! Mas o Rio é muito infeliz nessas coisas...O paisagista Luiz Emygdio (de Mello Filho) dizia que nós vamos acabar fazendo do Rio o museu dos erros humanos. "

(A entrevista foi realizada em 2007 e publicada, na íntegra, no primeiro número da Fresta, periódico de curta duração que Andres e eu editamos no Curso de Arquitetura da PUC-Rio, entre 2007 e 2008. A foto me foi enviada na época pelo próprio Chacel - e se não sou eu, bem poderia ser. Ao menos hoje).

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