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Pruitt-Igoe no Fundão / "A arquitetura moderna morreu em St Louis, Missouri, no dia 15 de julho de 1972, às 3:32 da tarde." A notícia já corria há alguns anos quando chegou até mim por meio do livro que ganhei de um amigo, ainda na Faculdade. The Language of Post-Modern Architecture, de Charles Jencks, tomava a implosão do conjunto habitacional de Pruitt-Igoe como um marco simbólico do fim dos ideais da arquitetura moderna. E isso porque, apesar de ter se guiado pela cartilha modernista, e depois de premiado pelo Instituto Americano de Arquitetos, o projeto de Minoru Yamasaki (coincidentemente, o mesmo arquiteto das torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York) fora condenado pelo vandalismo e acabara vindo abaixo numa demolição espetacular, que para muitos arquitetos serviu como argumento para justificar a necessidade de corrigir os rumos da arquitetura e passar a limpo uma tradição de arrogância associada ao Movimento Moderno.
Reencontrei a imagem do edifício vindo abaixo no sinistro koyaanisqatsi, filme dirigido por Godfrey Reggio com música de Philipp Glass. Mas confesso que passei meio ao largo disso tudo enquanto estava na Faculdade. Mesmo porque, embora vivesse me arrastando pelos corredores sombrios da escola, não encontrei um professor que tivesse me indicado textos teóricos mais contemporâneos, fossem os de Jencks, Venturi, Banham ou Eisenman.
Talvez a arquitetura brasileira ainda não tenha vivido o seu Pruitt-Igoe, cheguei a pensar anos depois, quando comecei a dar-me conta do quanto nos apartamos do debate teórico contemporâneo em arquitetura. É claro que tivemos bons arquitetos depois de Brasília. Mas também assistimos a uma miscelânea de interpretações equivocadas e superficiais da linguagem pós-moderna, que pouco contribuíram para a saída do difícil impasse vivenciado então pela arquitetura brasileira: de um lado, ainda tomada pela presença de Oscar Niemeyer, de outro, movida pelo componente de rebeldia próprio da geração de arquitetos formados no período mais negro da ditadura militar.
Recentemente, ao assistir à demolição do obelisco de Paulo Casé, em Ipanema, pensei que talvez estivesse ali, enfim, o nosso Pruitt-Igoe. Só que às avessas: a demolição do pós-moderno, na sua pior versão, talvez pudesse ser lida como um marco do esclerosamento da reação pueril que se seguiu à arquitetura moderna por aqui.
Pois agora confirma-se a implosão da chamada "perna seca" do Hospital Universitário, um gigantesco edifício de 220.000 m2 projetado por Jorge Machado Moreira e equipe na década de 1940, na Ilha do Fundão: será no dia 19 de dezembro, às 8 horas da manhã. A primeira etapa do processo consiste na demolição manual da ligação entre as duas alas do hospital - uma ocupada, outra há muito abandonada. Iniciada em agosto, esta etapa visa a abertura de um vão de 20 metros de largura entre as duas alas a fim de isolar a ala sul, cuja estrutura está seriamente comprometida, e evitar que a parte ocupada do hospital seja afetada por vibrações resultantes da implosão (muito embora estejam previstas a transferência dos pacientes e a suspensão de todas as atividades acadêmicas, para que a implosão seja feita com o prédio inteiramente evacuado).
Mas o problema é que esse corte, que já vejo à distância, começa a me doer. E é uma dor estranha, que vem se somar à que já senti quando me deparei com as ruínas do hospital no belo documentário de Pedro Urano e Joana Traub Csekö (“HU”, 2009).
Não é que esse edifício me seja particularmente caro. Ao contrário, nunca gostei de saber que meu irmão, hoje médico, dormia ali na década de 80. Nem gostei muito de entrar ali acompanhando um amigo, anos depois. Não obstante sua pureza formal, o edifício – semi-ocupado, semi-deserto - sempre me meteu medo.
Diante dele, não há como não pensar em todos os desvarios que foram erguidos em nome da arquitetura moderna. Mas também em todos os desvarios que se seguiram – na arquitetura, na saúde pública, na política-, e obstaculizaram tanto a conclusão do hospital quanto o uso da parte nunca inaugurada do prédio para outros fins (como um hotel ou um alojamento, quem sabe).
Reencontrei a imagem do edifício vindo abaixo no sinistro koyaanisqatsi, filme dirigido por Godfrey Reggio com música de Philipp Glass. Mas confesso que passei meio ao largo disso tudo enquanto estava na Faculdade. Mesmo porque, embora vivesse me arrastando pelos corredores sombrios da escola, não encontrei um professor que tivesse me indicado textos teóricos mais contemporâneos, fossem os de Jencks, Venturi, Banham ou Eisenman.
Talvez a arquitetura brasileira ainda não tenha vivido o seu Pruitt-Igoe, cheguei a pensar anos depois, quando comecei a dar-me conta do quanto nos apartamos do debate teórico contemporâneo em arquitetura. É claro que tivemos bons arquitetos depois de Brasília. Mas também assistimos a uma miscelânea de interpretações equivocadas e superficiais da linguagem pós-moderna, que pouco contribuíram para a saída do difícil impasse vivenciado então pela arquitetura brasileira: de um lado, ainda tomada pela presença de Oscar Niemeyer, de outro, movida pelo componente de rebeldia próprio da geração de arquitetos formados no período mais negro da ditadura militar.
Recentemente, ao assistir à demolição do obelisco de Paulo Casé, em Ipanema, pensei que talvez estivesse ali, enfim, o nosso Pruitt-Igoe. Só que às avessas: a demolição do pós-moderno, na sua pior versão, talvez pudesse ser lida como um marco do esclerosamento da reação pueril que se seguiu à arquitetura moderna por aqui.
Pois agora confirma-se a implosão da chamada "perna seca" do Hospital Universitário, um gigantesco edifício de 220.000 m2 projetado por Jorge Machado Moreira e equipe na década de 1940, na Ilha do Fundão: será no dia 19 de dezembro, às 8 horas da manhã. A primeira etapa do processo consiste na demolição manual da ligação entre as duas alas do hospital - uma ocupada, outra há muito abandonada. Iniciada em agosto, esta etapa visa a abertura de um vão de 20 metros de largura entre as duas alas a fim de isolar a ala sul, cuja estrutura está seriamente comprometida, e evitar que a parte ocupada do hospital seja afetada por vibrações resultantes da implosão (muito embora estejam previstas a transferência dos pacientes e a suspensão de todas as atividades acadêmicas, para que a implosão seja feita com o prédio inteiramente evacuado).
Mas o problema é que esse corte, que já vejo à distância, começa a me doer. E é uma dor estranha, que vem se somar à que já senti quando me deparei com as ruínas do hospital no belo documentário de Pedro Urano e Joana Traub Csekö (“HU”, 2009).
Não é que esse edifício me seja particularmente caro. Ao contrário, nunca gostei de saber que meu irmão, hoje médico, dormia ali na década de 80. Nem gostei muito de entrar ali acompanhando um amigo, anos depois. Não obstante sua pureza formal, o edifício – semi-ocupado, semi-deserto - sempre me meteu medo.
Diante dele, não há como não pensar em todos os desvarios que foram erguidos em nome da arquitetura moderna. Mas também em todos os desvarios que se seguiram – na arquitetura, na saúde pública, na política-, e obstaculizaram tanto a conclusão do hospital quanto o uso da parte nunca inaugurada do prédio para outros fins (como um hotel ou um alojamento, quem sabe).
O fato é que a demolição parcial do Hospital Universitário vai gerar mais uma mutilação irreparável na paisagem e no patrimônio da arquitetura moderna do Rio de Janeiro, que já padece com o corte feito ao edifício em curva de Affonso Eduardo Reidy na Gávea, nos anos 80. Então mesmo que a demolição seja necessária, que o custo da recuperação do edifício inteiro seja inviável, e até que este seja o ônus a ser pago pela utopia modernista, eu acho que estarei no Fundão no último domingo antes do Natal, com a câmera na mão, e os olhos molhados.
(As fotos foram feitas nos últimos dias por José Barki e Felipe Nobre, a quem agradeço. Mais detalhes da implosão aqui: http://www.ufrj.br/implosaohu/)
(As fotos foram feitas nos últimos dias por José Barki e Felipe Nobre, a quem agradeço. Mais detalhes da implosão aqui: http://www.ufrj.br/implosaohu/)
http://www.youtube.com/watch?v=t29fgA5M7VA
ResponderExcluirO concreto jah rachou faz tempo...
http://g1.globo.com/Noticias/Rio/0,,MUL1528052-5606,00-FREI+CANECA+MAIS+ANTIGO+PRESIDIO+DO+PAIS+E+IMPLODIDO.html
ResponderExcluirAna, concordo 100% com você, em tudo o que disse. E acho não só que o momento deve mesmo ser documentado, como o acontecimento em si, em todo o seu processo, desde a construção do hospital, passando pela sua história de não-ocupação e culminando agora na decisão de demolí-lo, deve ser ainda muito pensado e discutido.
ResponderExcluirfazer esse corte seria um sonho pro matta clark...
ResponderExcluirMuito bom seu post.
ResponderExcluirHá alguém vivo da equipe projetista?
Existem registros iconográficos suficientes no ETU?
É muito importante ter este registro bem feito.
A mim me parece que o projeto estava certo e que na verdade o Brasil e o Rio é que se perderam em realidades medíocres que agora vêm cobrar o dízimo da sua existência.
Abracemos o MEC antes que lhe imputem pena por ser tão belo.
Um abraço
W
Nada me convence de que não há solução técnica para a recuperação de um edifício que é funcionalmente adequado para o programa a que se propõe, estéticamente uma indiscutível obra de arte e historicamente um marco indispensável. Só a profunda ignorância e interesses inconfessáveis podem justificar esta barbárie. Barbárie ainda mais significativa por ser produzida no meio acadêmico.
ResponderExcluirAcho uma mutilação imperdoável na paisagem e no patrimônio edificado da cidade (e do país). É politicamente indefensável, especialmente se pensarmos que o INTO(Governo Federal) está sendo transferido para a antiga sede do JB, um local inadequado para uma unidade hospitalar. Porque não se pensou na perna seca do Hospital do Fundão?
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