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Vista para o Pão de Açúcar / Estou cada vez mais convencida de que muitos problemas relativos à baixa qualidade da arquitetura carioca hoje têm relação direta com a legislação urbana da cidade, que além de ser extremamente impositiva, restritiva, e por isso mesmo estúpida, permanece praticamente intocada há décadas. Além das varandas abertas, que tomaram como uma praga a habitação multifamiliar carioca nos últimos três decênios, muitos bairros foram adensados com base na tipologia da torre sobre embasamento destinado a garagem. Tipologia essa que, ignorando as observações feitas por Jane Jacobs ainda na década de 1960, simplesmente decretou o afastamento dos olhos em relação à rua e assim acabou contribuindo decisivamente para o aumento da violência e da insegurança urbana.

Surgiram mesmo situações quase cômicas, como a do edifício ao lado. A uniformidade da fachada, garantida pela repetição das janelas em fita, sugere que todos os pavimentos acima do térreo sejam iguais, com a sala voltada para a frente. Quando olhamos através do vidro do primeiro pavimento, porém, o que encontramos são carros estacionados. É verdade que no Brasil o carro tornou-se um símbolo de status tão inquestionável que a incorporação ao projeto de um abrigo capaz de proteger-lhe das intempéries e do vandalismo costuma ser facilmente justificável. Mas como justificar o fato de que este abrigo, além de ocupar o espaço supostamente mais nobre do edifício – do ponto de vista da sua relação com o espaço público -, receba o mesmo tratamento, o mesmo material, e até as mesmas esquadrias dos apartamentos? No caso, há ainda um detalhe: o estacionamento volta-se para o Parque do Flamengo, um dos parques urbanos mais extraordinários do mundo, projetado por Affonso Eduardo Reidy e Roberto Burle Marx. E tem bem à sua frente, pouco além do Parque e da Baía, nada senão o Pão de Açúcar.

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