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Crítica / A crítica literária e professora da UniRio Flora Sussekind abre amanhã, segunda, o ciclo "Limites Incertos" na PUC-Rio, discutindo o conceito de Crítica.
O ciclo (organizado pelo Programa de Pós-graduação em Arquitetura e o Curso de Arquitetura e Urbanismo) estende-se de abril a outubro deste ano, sempre às 18:30.
Excepcionalmente, a palestra de amanhã será no auditório Anchieta (edifício Leme).
Recomenda-se a leitura prévia do texto "A crítica como papel de bala", em que a autora  define a crítica como forma dissentânea de percepção, e questiona o apequenamento da discussão crítica e o conservadorismo dominante no campo literário no Brasil hoje.
               

Piscinão do Alemão / por Ana Altberg:
Durante a ocupação policial da Vila Cruzeiro, em 2010, pôde-se assistir ao vivo a forte cena de traficantes fugindo por uma estrada de terra em direção ao Complexo do Alemão. A visão aérea, registrada por um helicóptero da Rede Globo, mostrava alguns deles sendo atingidos pelos tiros da polícia. Essa estrada leva a um lago formado na cavidade de uma pedreira na Serra da Misericórdia, mais conhecido como Piscinão do Alemão.
Em janeiro deste ano, a Folha de S. Paulo publicou uma matéria sobre o lago, que  é  uma atração local há anos.
A empresa francesa Lafarge, que tem concessão para explorar o terreno, afirma que o lago foi formado por acumulação de água de chuva, negando a hipótese de que seria um lençol freático exposto pelas dinamitações para extração mineral. Ainda em 2010, a Lafarge drenou o lago para seguir explorando o terreno, mas até hoje crianças recorrem às suas águas para se divertir, quando chove.

Poucos anos atrás, o Piscinão costumava ficar lotado nos fins de semana, crianças com pranchas de surf, bóias, tinas de cerveja, música alta. Dizem que traficantes até andavam de jet-ski ali. Mas o lugar é tão belo quanto perigoso: as lascas de pedra soltas e a instabilidade do terreno apresentam riscos graves aos usuários, assim como a contaminação química pelos produtos usados nas pedreiras.
O grande sucesso deste lago perigoso demonstra, no entanto, a enorme carência de áreas públicas de lazer de uma parcela significativa da população de uma cidade em que a geografia social se expressa por meio da distribuição desigual de espaços públicos (com praias e espaços verdes concentrados nas zonas Sul e Oeste, as mais ricas da cidade).              
Diante dos problemas decorrentes de um transporte público não integrado e deficitário – o teleférico do Alemão não é conectado ao metrô, apenas à Supervia – , do alto custo dos bilhetes, somado aos custos adicionais de um dia na praia, um mergulho no mar não chega a ser muito acessível para quem mora no Complexo do Alemão. O lago se torna então uma opção mais atraente. 






           Google Earth, 2012

          O maciço da Serra da Misericórdia, onde se localiza o Piscinão, é cercado pelos bairros Engenho da Rainha, Inhaúma, Penha, Complexo do Alemão, entre outros. Esta região- a AP3 - é a mais populosa do Rio de Janeiro, abriga 50% dos residentes em favelas e a menor área verde per capita do município. A Serra é a maior área verde desta região, mas sua vegetação se encontra em condições precárias, sempre ameaçada pela expansão das favelas e pela atividade mineradora, presente no local há mais de 40 anos.

    Vegetação em 2012

A Serra da Misericórdia vive uma grande contradição entre a realidade e seu estatuto oficial, a lei. No papel, desde 2001 se trata de uma  APARU (Área de Preservação Ambiental e Recuperação Urbana), e é considerada um parque público. Em 2010, o prefeito sancionou um novo decreto que o nomeia “Parque Municipal Urbano da Serra da Misericórdia” e indica que ali seriam construídos “Pólos de Atividade Social”.
De acordo com um abaixo-assinado publicado pela ONG Meu Rio no final de 2013, remoções tem sido feitas em nome do parque. No entanto, permanecem intactas e ativas as pedreiras que seguem arrasando o solo e causando danos à saúde dos moradores da região, onde há alto índice de doenças respiratórias. Seu entorno é de favelas ou bairros degradados, com esgoto a céu aberto, lixo nas ruas, e uma espessa camada de poeira sobre qualquer objeto num raio de 500 metros das pedreiras.
O projeto do parque, desenvolvido pela Secretaria Municipal de Habitação em parceira com o escritório Arqhos, prevê instalações pontuais para o maciço, que é cercado por diferentes tipos de ocupação: favelas, áreas industriais em desuso e conjuntos habitacionais murados. Inserida num tecido urbano já periférico, a integração da Serra com a cidade é quase inexistente.
           Mas no momento o projeto do parque está paralisado, porque ao que tudo indica, Prefeitura e Governo do Estado têm ideias divergentes para o futuro da Serra da Misericórdia: enquanto a Secretaria de Habitação tentava implementar seu parque, o Governo do Estado projetou um parque de mountain bike, que de acordo com a ESPN, já está em construção.
           Esta situação expressa a dispersão do planejamento urbano do Rio de Janeiro: diferentes órgãos pensando a cidade separadamente, muitas vezes com projetos diferentes para o mesmo local. Enquanto isso, o futuro da Serra da Misericórdia permanece como uma incógnita, diante de indefinições políticas e falta de transparência nos processos de planejamento urbano. Por que não foi aberto um concurso público para o projeto do “Parque Municipal Urbano da Serra da Misericórdia”?
            O Piscinão do Alemão já apontou o forte potencial de uso coletivo dessa área. A integração do tecido urbano às pedreiras desativadas poderia gerar uma centralidade regional positiva, a partir da criação de um grande espaço público de lazer, a exemplo de parques criados em antigas pedreiras o Buttes Chaumont, em Paris, e o Parque Tanguá, em Curitiba.
           Entre as ruínas irregulares da extração mineral, poderiam existir orlas, jardins, ciclovias, atividades educacionais, culturais, administrativas... Um espaço capaz de suprir carências da população local e oferecer um respiro coletivo, tão necessário aos que vivem nos intermináveis vales de favelas do Complexo do Alemão, marcados por décadas de violência e abandono.




(Ana Altberg é arquiteta e membro da equipe vencedora do concurso de ideias “Reperimetral”, cujo resultado, divulgado semana passada, pode ser visto aqui: http://reperimetral.com/2014/04/03/resultado/)




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Para não esquecer /

Vista aérea: a água e o cerrado invadiram a construção (Foto: Google / Divulgação)

Uma grande quantidade de matérias jornalísticas, textos, debates e exposições marca os 50 anos do golpe militar no Brasil. Os relatos cada vez mais chocantes do terror instalado no país a partir de março de 1964 somam-se a um esforço de mapeamento  da produção cultural do período e dos impactos da repressão na área do cinema, literatura, artes, música, educação. Sobre arquitetura, porém, pouco se fala. O que, por si só, já é bastante significativo. Até porque não podemos esquecer que em 1964 a arquitetura brasileira havia apenas conferido ao país seu registro de identidade, com a inauguração de Brasília. E a partir daí entraria num longo afastamento do debate teórico internacional, do qual até hoje nos ressentimos.
Ganha interesse ainda maior, por isso, o documentário sobre Sergio Bernardes (Gustavo Gama e Paulo Barros , 91 min, 2013), um dos 7 filmes que estão na competição brasileira de longas e médias-metragens do Festival "É Tudo Verdade", que começa amanhã no Rio (em duas sessões abertas para o público, no  Espaço Itaú de Cinema Botafogo: terça, dia 08, às, 21hs, e quarta, dia 09, às 15hs). 
O filme mostra não só a trajetória profissional de sucesso e a veia almodovariana de Bernardes, que muitos já conhecem, mas também os aspectos dolorosos da biografia e o lado trágico de um dos maiores nomes da arquitetura brasileira, cuja rica produção acabou sendo vítima da sua ambição, e sobretudo da sua opção por fazer arquitetura para o regime militar em plenos anos 70.
Uma opção que custou caro ao arquiteto e à arquitetura brasileira. Não só porque sua obra caiu numa espécie de limbo dentro da história da arquitetura brasileira e se tornou algo estranho - ora tabu, ora mito - nunca propriamente explicitado mas com o qual ainda hoje temos dificuldade de lidar, e que recoloca uma série de questões que pareciam superadas, como o papel social da arquitetura e a relação entre arquitetura e poder. 
Mas também porque foi a proximidade com os militares que desencadeou a falência do escritório de Sergio Bernardes - na época, um dos maiores escritórios de arquitetura do país -, em função de dívidas contraídas como capital de giro de projetos caros que acabaram cancelados. Como o projeto da Escola Superior de Guerra, em Brasília, encomendado pelo presidente Médici no auge do "Milagre" e cancelado com a obra já avançada, que resta hoje como uma ruína condenada ao esquecimento à beira do Lago Paranoá, a demandar nossa reflexão (ver aqui: http://vejabrasil.abril.com.br/brasilia/materia/os-segredos-dos-escombros-1403)