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Carnaval tenso na área portuária / Desde quarta-feira, um grupo de pessoas que morava há 5 ou 6 anos no "Quilombo das Guerreiras" (ocupação de um edifício abandonado, de propriedade federal), faz barricada na av Francisco Bicalho, uma das vias mais importantes de acesso à cidade. O protesto é contra a remoção forçada e sem perspectivas de um terreno privatizado onde serão construídas as torres de Donald Trump, um dos projetos mais assombrosos do "Porto Maravilha". A situação é tensa. Mas é Carnaval, e Carnaval é folia. Tudo o que importa são os blocos, os desfiles, e o nó no trânsito. 
 
Mesmo na Internet, não há muito informação sobre os motivos da manifestação, a não ser no facebook do Anonymous Brasil, de onde chego à única matéria jornalística que consegui localizar, por ora, sobre o conflito:
https://www.youtube.com/watch?v=zFkyb8Zc2Yk&feature=share
 
Que cidade teremos, quando o Carnaval passar?
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Anexo BNDES / Divulgado hoje o edital do concurso público de projetos para o edifício anexo do BNDES, a ser construído em área excepcional no centro do Rio: o que resta do Morro de Santo Antônio, entre a Rua da Carioca e a av Chile, bem atrás da igreja de São Francisco e do Convento de Santo Antonio.

O anexo se tornou viável a partir da mudança de gabarito da área, de 12,5 para 42 m, aprovada pela Câmara dos Vereadores em maio passado, numa negociação que tem como contrapartida o desembolso pelo BNDES de R$ 50 milhões, a serem pagos à Prefeitura e usados na requalificação urbana da área. O edifício, que deverá ter nove andares e cinco subsolos, não poderá ultrapassar a cimeira da Igreja de São Francisco da Penitência, tombada pelo IPHAN.
 
O júri é composto por 5 arquitetos: Aníbal Coutinho, Jaime Lerner e eu, como membros externos, e Georgia Espozel Pinheiro da Silva e Marisson Veiga Pereira, como representantes do BNDES.
 
No site, além do edital, estão disponíveis belas fotos da construção da torre do BNDES, que também foi objeto de concurso público na década de 1970, vencido por uma equipe de jovens arquitetos do Paraná (Alfred Willer, Ariel Stelle, Joel Ramalho Jr., José Hermeto Sanchotene, Leonardo Oba, Oscar Mueller e Rubens Sanchotene):
 




 
 

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Freixo, Caetano e O Globo / Você leu isso?, pergunta Guilherme Wisnik, de São Paulo.
 
A entrevista do deputado estadual Marcelo Freixo  (PSOL) de fato é excelente, e mostra um domínio muito maior dos problemas urbanos do Rio do que há pouco tempo atrás, quando disputou a prefeitura da cidade com Eduardo Paes. Em muitos aspectos, sua visão complementa a do prof. Carlos Vainer (IPPUR-UFRJ), publicada recentemente no mesmo site (ver link abaixo). Além de discutir a política de segurança pública vigente, Freixo chama atenção para a perigosa relação entre a rede Globo e o projeto de cidade que tem sido imposto ao Rio, muito mais baseado na lógica dos grandes negócios do que nas demandas e desejos de seus habitantes.
 
As palavras de Freixo merecem ampla divulgação e discussão. Mas foram abafadas pelas manchetes surgidas nos últimos dias na grande imprensa em torno de uma relação absolutamente inconvincente entre ele e a trágica morte do cinegrafista Santiago, na manifestação contra o aumento das passagens que ocorreu dias depois da entrevista.
 
Não faltou nem a indignação de Caetano Veloso, registrada hoje em sua coluna semanal no jornal O Globo (http://oglobo.globo.com/cultura/freixo-outra-vez-11616610). Caetano diz que se sentiu "mal ao ver a agressividade do jornal contra o deputado" , e detectou "uma sinistra euforia (do jornal) por poder atacar um político que ameaça interesses não explicitados". Imagino que o texto terá muita repercussão, como tudo que Caetano diz ou escreve, e entendo que a amplitude dessa repercussão está em grande parte garantida justamente por ter sido o texto publicado no mesmo jornal cuja postura o músico questiona. Mas enquanto Caetano continuar colaborando regularmente com o Globo, não sei se avançamos muito.
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Reperimetral / Últimos dias para inscrição no concurso internacional de ideias "Reperimetral", organizado pelo Curso de Arquitetura e Urbanismo da PUC-Rio e destinado a estudantes e recém-formados (até 5 anos) em qualquer área (arquitetura, design, engenharia, artes etc). O objetivo do concurso é propor novos usos para as vigas de aço corten que resultam da demolição em andamento do viaduto da Perimetral. As vigas são tão valiosas que algumas já desapareceram, num roubo inacreditável e até hoje não esclarecido. O destino das demais ainda é incerto. A não ser pela viga que o prefeito levou para casa, e expôs no seu jardim como uma "obra de arte".
 
Aqui, o site do concurso: http://reperimetral.com/

E aqui, o pedaço da viga no jardim da casa do prefeito: http://oglobo.globo.com/rio/um-pedaco-do-viaduto-para-prefeito-eduardo-paes-chamar-de-seu-10332244


 
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Deodoro / Dentre tudo o que foi e tem sido construído no Rio na última década, um dos projetos de maior qualidade arquitetônica é o Centro Nacional de Tiro Esportivo, situado dentro da Vila Militar, em Deodoro.

Construído para os Jogos Panamericanos de 2007, o CNT é projeto do escritório BCMF (Bruno Campos, Marcelo Fontes e Silvio Todeschini), de Belo Horizonte, e integra um complexo esportivo de aproximadamente 100.000 m2 de área construída que inclui instalações para a prática de Hipismo, Hóquei sobre Grama e Pentlato Moderno, em terreno de cerca de 1 milhão de m2.
Por situar-se em área militar, de acesso restrito, a obra permanece isolada da cidade e praticamente desconhecida da maioria dos cariocas, e mesmo dos arquitetos brasileiros. Desde que foi inaugurado, no entanto, o conjunto tem recebido amplo reconhecimento internacional: foi capa da prestigiosa revista espanhola “Arquitectura Viva”, publicado e exposto em vários países (Alemanha, Estados Unidos, Coreia do Sul, Londres, Espanha, Argentina, Portugal) e premiado mais de uma vez, inclusive em importante premiação mundial de arquitetura esportiva patrocinada pelo próprio Comitê Olímpico Internacional (Medalha de Ouro no 2010 IAKS LAC/International Association for Sports and Leisure Facilities / Seção América Latina e Caribe; Special Prize no IOC / IAKS Award 2011 em Colônia, na Alemanha, e finalista do prêmio da VI Bienal Ibero Americana de Arquitetura e Urbanismo de Lisboa (2008) na Categoria "Obra de Jovem Autor”).

Desde que visitei o CNT com um grupo de alunos e professores, há três anos, não canso de citar a obra como referencia em termos do que de melhor foi produzido no Rio nas últimas décadas, no que diz respeito à organização do programa, implantação, detalhamento, pensamento estrutural, qualidade espacial e construtiva. Considero a relação da edificação com o sítio e a paisagem montanhosa uma aula de arquitetura. E em alguns momentos – como ao me deslocar sob o grid suspenso do para-balas – senti aquele prazer raro que só a experiência da arquitetura oferece.







Pois bem, ao saber que parte das instalações olímpicas haviam sido deslocadas para Deodoro, logo me animei com o que se anunciava: a requalificação de uma área suburbana, a integração daquela região quase esquecida ao resto da cidade por meio do BRT Transolímpica (ligando Deodoro a Barra da Tijuca), além de um projeto de recuperação ambiental da área. Também não pude deixar de me perguntar que relação seria estabelecida com o CNT pelo novo projeto – objeto de licitação pública vencida pelo consórcio Vigliecca Marobal, integrado pelo escritório de Hector Vigliecca, arquiteto de origem uruguaia baseado em São Paulo, que respeito e admiro desde o projeto para o Sesc Nova Iguaçu.  
Vigliecca é um arquiteto com sólida formação teórica e uma prática projetual de alto nível, que inclui projetos em várias escalas, programas e cidades, muitos deles premiados e vencedores de concursos públicos. Tem também larga experiencia em projetos urbanísticos e esportivos: além de ter vencido o concurso de modernização do Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo, é responsável pelo belo projeto do Arena Castelão, em Fortaleza, que passou por uma ampla reforma para se tornar um dos estádios da Copa de 2014. 
 
Em associação com a empresa portuguesa de engenharia Marobal, o escritório - recentemente instalado no Rio, onde trabalha também num dos projetos de urbanização de favelas do programa Morar Carioca - vem desenvolvendo há alguns meses o plano urbanístico do Complexo Esportivo de Deodoro, onde estão previstas competições em nove modalidades (hipismo, hóquei, tiro, cross country, esgrima, pentatlo moderno, mountain bike, BMX e canoagem slalom).
 
O silêncio sobre o andamento do projeto começa me preocupar, no entanto. Sei bem da pressão que arquitetos envolvidos nos projetos em curso tem sofrido com as exigências de organismos internacionais como o COI e a FIFA, cujas urgências e interesses costumam se alinhar muito mais com a lógica dos investimentos empresariais do que com os interesses públicos, o compromisso com a construção de uma cidade igualitária e a preservação do patrimônio arquitetônico da cidade  (basta ver o Maracanã, brutalmente desfigurado e convertido em mais um estádio padrão FIFA).
 
Seria preciso tornar público, logo, o que de fato está sendo pensado para toda aquela área de Deodoro, e que relação o projeto atualmente em andamento estabelece com as obras de qualidade já construídas ali. Por ora, o máximo que encontrei disponível publicamente, no site da Rio 2016, é um vago “projeto conceitual”, que fala em construção de novas estruturas (temporárias e permanentes) e “readequação” de instalações existentes, dentre elas o CNT.
 

 
Confio plenamente na equipe responsável pelo projeto atual e não tenho dúvida de que ela tem a experiência e a capacidade necessária para desenvolver um projeto de qualidade que cumpra com os compromissos definidos na licitação sem desrespeitar o projeto original do CNT. O que não sei é até que ponto isso será suficiente, diante das pressões de prazo e redução de custos que tem sido impostas aos projetos e obras em curso no Rio, e num quadro complexo disputado por um número particularmente elevado de agentes distintos (Prefeitura, Exercito, Governo do Estado, COI, Rio 2016, Empresa Olimpica, Federação Internacional de Tiro Esportivo e provavelmente outros que desconheço).
Temo, sinceramente, que os termos “projeto conceitual” e “readequação”, usados na divulgação do projeto, sejam vagos o suficiente para permitir qualquer coisa – inclusive a descaracterização do CNT, mesmo que à revelia dos arquitetos atualmente responsáveis pela área. Em todo caso, eu gostaria de ter a certeza de que uma das poucas obras relevantes de arquitetura contemporânea na cidade será preservada, e que não perderemos com as Olimpíadas o pouco que o Pan nos deixou como legado.

 
 



(Aqui, artigo publicado na revista inglesa Dezeen sobre o projeto do CNT:
E aqui, o projeto do Parque Olímpico de Deodoro, conforme publicado no site da Rio2016:
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O Rio das desigualdades e da limpeza urbana / As transformações urbanas em curso no Rio hoje, na visão crítica do prof. Carlos Vainer (IPPUR-UFRJ), em ótima entrevista para o site Viomundo:

http://www.viomundo.com.br/denuncias/carlos-vainer-com-pretexto-dos-megaeventos-rio-promove-limpeza-urbana-e-sera-cidade-mais-desigual-em-2016.html