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Amilcar / Passando outro dia pelo Posto 12, me surpreendi ao deparar com a Estrela de Amilcar de Castro. Ué, isto já estava aqui? Este Amilcar não estava no centro da cidade, perto da Praça Tiradentes? 


Dias depois recebo um email da Martha Telles, professora do Instituto de Artes da Uerj, aflita com a nova instalação. Voltei lá, driblei os carros e alcançei o canteiro, meio ofegante.


Na base, duas placas da prefeitura informam que o reposicionamento foi feito a pedido da família do artista. Imagino que o pedido tenha a ver com o desejo de livrar a escultura dos mendigos que a usaram como abrigo e mictório durante tanto tempo. Em princípio, a decisão de deslocar a obra estaria, portanto, justificada. E alguém poderia até evocar como precedente histórico a operação de deslocamento de obeliscos dirigida pelo arquiteto Domenico Fontana na Roma barroca, exemplar do ponto de vista da reestruração urbana de uma cidade-capital que buscava singularizar-se e dar-se uma imagem espetacular, representativa de sua centralidade política, religiosa e cultural.

O problema se repropõe, portanto, em termos. Mas o deslocamento da Estrela de Amilcar é muito diferente: não estabelece nenhuma relação produtiva com o espaço urbano em que se insere, impede a aproximação da obra (essencial do ponto de vista da sua experiência espacial e construtiva), tolhe o giro em torno dela, miniaturiza sua escala e ainda lhe impõe uma base em tudo contrária aos princípios do artista. O texto de Martha é bastante esclarecedor neste sentido, e merece ser lido com atenção:



"A Estrela(1966), escultura de Amilcar de Castro foi transferida do Largo das Artes, região central do Rio de Janeiro,  para o final do Leblon num momento de intenso processo de reestruturação da cidade.  A mudança para a orla do Leblon, um dos cartões postais da cidade, já é por si mesma questionável. Entretanto, chama a atenção o local onde a escultura foi colocada: um dos canteiros centrais que dividem as duas pistas da orla da praia. Estreito e alto, esse espaço inacessível funciona como um pedestal para a escultura. Ali, o pedestal/canteiro engendra uma espécie de espaço ideal delimitador entre o público e a obra, provocando algumas questões sobre a nova moradia da escultura. As obras de Amilcar de Castro e do movimento neoconcretista , do qual Amilcar foi um dos expoentes, não se propunham a libertar a linguagem de arte das molduras da pintura e dos pedestais da escultura? Não se tratava de superar a histórica relação de figura/fundo na arte de modo que as formas e as cores misturassem-se ao fundo, entendido nessa concepção como o próprio mundo?  Enfim, não se buscava repensar as hierarquias da relação da arte com a vida? 

       Em sua atual localização, “A Estrela” não é acessível a um contato mais direto com eventuais passantes desta via pública, o que coloca em xeque outro importante pressuposto das obras de Amilcar: a vivência entre o espectador e a obra. Sem retomar toda a história do movimento neoconcretista, vale a pena lembrar que esses artistas buscavam construir uma nova arte a partir das premissas perceptivas e fenomenológicas que respondessem à necessidade de estabelecer relações outras com a obra, com espaço em torno e com o espectador.  O não-objeto neoconcreto[1] deseja funcionar no tempo atual sendo atualizado somente na presença do espectador, do participante. Em “A Estrela” é preciso um giro circular em torno da obra, que dura o tempo necessário para a compreensão do tempo instaurado. Em outras palavras, é imprescindível experimentar o trabalho com o próprio corpo para a produção de significados. Mas quem vai se arriscar a subir no exíguo e alto espaço do canteiro? 

      No final do Leblon, a escultura de Amilcar oferece na melhor das hipóteses a possibilidade de contemplação de uma obra de arte autônoma[2], concepção com a qual Amilcar e seus pares do movimento neoconcretas romperam.  Digo melhor, porque no atual regime a partir do qual a paisagem carioca vem sendo reconstruída, esta escultura de Amilcar corre o risco de se tornar mais uma imagem no intenso fluxo informacional/imagético constitutivo das urbes na era do espetáculo e do turismo cultural.  Cidades como o Rio de Janeiro vêm sofrendo um agressivo processo especulativo do solo urbano. Nelas, o espaço torna-se cada vez mais abstrato e homogêneo por ser manipulado, controlado e trocado como mercadoria de altíssimo valor econômico. Na esteira de tal dinâmica são elaboradas e implementadas políticas de revitalização e de embelezamento da cidade tanto pelo poder público como por interesses privados. Como observou a teórica Rosalyn Deutsche sobre situação semelhante em Nova York na segunda metade da década de 1980 [3], a retórica do embelezamento e revitalização pode ser entendida como estratégias de construção de imagem de uma cidade integrada, totalizada e coerente, escamoteando os sem números de conflitos e interesses políticos e econômicos existentes nos processos urbanos.

         Na atual situação das cidades, a noção mesma de arte pública exige reflexão. É possível esquecer todas as complexas camadas de significações físicas e culturais, os conflitos políticos subsumidos em um determinado espaço urbano? É aceitável o desconhecimento ao se escolher onde e como instalar um trabalho de arte nas cidades? Em localizações em que as obras respeitem as propostas originais, trabalhos como a escultura “A Estrela” de Amilcar de Castro e de tantos outros artistas contemporâneos são capazes de provocar experiências, despertar os habitantes das cidades sobre relação com o espaço, o entorno, com o mundo. Nesse sentido, o pensamento e a reflexão de arte ainda têm algo a dizer ao sujeito contemporâneo sob o fascínio das imagens onipresentes e incapaz de estabelecer uma relação atual e concreta, enfim mais real e menos virtual, com o espaço em que vive. "



[1] A teoria do não-objeto foi formulada por Ferreira Gullar na tentativa de definir o objeto de arte neoconcreta. De acordo com o crítico,  o não-objeto não é um objeto negativo, nem antiobjeto, “mas um objeto especial em que se pretende realizada a síntese de experiências sensoriais e mentais: um corpo transparente ao conhecimento fenomenológico, integralmente perceptível, que se dá à percepção sem deixar resto. Uma pura aparência”.

[2] O conceito de arte autônoma surge junto com o projeto da modernidade, formulado no século XVIII, segundo o qual os filósofos iluministas pressupunham um campo da ciência objetiva, uma moralidade e leis universais e uma estética autônoma.  Nessa concepção a arte possui leis próprias e não dependi de nenhuma outra atividade ou valor que não sejam os seus próprios, possuindo a finalidade nela mesma.
[3] DEUTSCHE, Rosalyn. Uneven Development: Public Art in New York City. In October. Vol 47. (Winter, 1988). Pp.3-2

(As fotos são de Vitor Silva, e foram extraídas daqui:  http://m.jb.com.br/fotos-e-videos/galeria/2012/09/15/escultura-enfeita-orla-do-leblon/
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O Rio, por Paulo Mendes da Rocha / Paulo Mendes da Rocha inaugura sexta a maior retrospectiva da sua obra, em Vitória, sua cidade natal. Em entrevista publicada hoje no jornal O Globo, ele assume uma postura crítica em relação à situação atual da arquitetura e do urbanismo no Rio e no Brasil:

"Em entrevistas recentes, o senhor se disse “desapontado” com o urbanismo atual no Brasil. Em relação ao Rio e às novas propostas urbanísticas por conta dos Jogos Olímpicos, como a revitalização da Zona Portuária, qual a sua opinião?

É sempre um elogio ao projeto original as formas de se reviver um determinado planejamento urbano. Dito isso, acho que falta atenção à vida doméstica. As revitalizações e obras não podem ser feitas para um espetáculo. Temos que ficar com um belo tesouro desse pretexto (as Olimpíadas) e não com um lixo imprevisto. O Rio tem uma tradição arquitetônica de Lucio Costa, Niemeyre, Affonso Eduardo Reidy... Não vamos agora entregar tudo de uma hora para outra como se fosse algo isolado.

Falando nessa tradição, como o senhor vê a cidade hoje em relação às novas construções e projetos?

Houve um período em branco, de fato, nos anos 1970, 80 e 90. Muita perseguição. Eu mesmo fui cassado pelo AI-5. Mas, hoje, não acho que faltem concursos. Eles são sempre discutíveis. Se há quem saiba julgar, há quem saiba fazer. O que está faltando é planejamento governamental e alianças entre público e privado. Grandes arquitetos deveriam estar sendo chamados pelo governo para fazer projetos para a cidade, como aconteceu com Lucio Costa, Niemeyer e Reidy. A questão urbanística é de caráter político. Só o governo pode promover grandes projetos. Brasília não foi iniciativa privada de ninguém, e aposto que atraiu muitos negócios privados. Não tem que ser uma disputa entre público e privado. Outra coisa importante é que precisamos nos libertar do automóvel. O automóvel é um desastre. E, se você persegue o mesmo modelo há anos, podemos dizer que estamos numa rota dos desastres. O sentido de transformação ainda é muito acanhado. Os projetos de metrô no Brasil são ridículos em relação aos de outros países. A arquitetura se reflete numa educação desde a infância. Não sei como um menino não tem aulas de urbanismo na escola. A cidade é tão importante quanto a língua."
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Outras Cidades / Outras Palavras: a entrevista do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro fala em buscar outro modelo de desenvolvimento. Outros valores, além do frenesi do consumo que tem sido usado como indicador de prosperidade econômica.
 
Uma alternativa para o modelo altamente predatório que tem dominado nossas cidades - seja São Paulo, Belém ou Natal - com edifícios cada vez mais inumanos, fingindo responsabilidade social e ambiental.
 
E carros, carros, e mais carros.  Li ontem no jornal que o Rio tem hoje uma frota de veículos 50% maior do que há dez anos atrás. Nesse mesmo período, o que foi feito aqui em termos de transporte público de massa, infraestrutura viária, saneamento? E que novos edifícios surgiram, dignos da arquitetura e dos espaços urbanos que esta mesma cidade já produziu?
Outras Cidades são também aquelas que seremos capazes de imaginar.  Não esta, dominada por grandes empreiteiras, que recebo na minha caixa de correio esta manhã:


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Canteiro de Operações / Registro da operação recente com containers conduzida por José Resende, Nelson Brissac Peixoto e Heloisa Maringoni no vazio niemeyeriano do Memorial da América Latina, em São Paulo, que será discutida amanhã, na PUC, dentro da programação do Ser Urbano.


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"Portinari é uma praga nacional". A afirmação, claro, é de Ronaldo Brito, em entrevista imperdível na edição de outubro da Revista de História da Biblioteca Nacional, nas bancas.

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SER URBANO 2012: OUTRAS CIDADES / Será sexta, dia 19, a edição 2012 do Ser Urbano, evento anual organizado pelos alunos do Curso de Arquitetura e Urbanismo da PUC-Rio, que este ano se concentra num dia só mas segue com uma programação intensa, voltada agora para discutir experiências e intervenções realizadas em outras cidades:

Programação
9h-12h
EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS
alunos do CAU/PUC-Rio apresentam trabalhos realizados no exterior, em estágios e intercâmbios recentes
mediador: Prof. Gabriel Duarte

13h-14h
OPERAÇÃO IMA
ação coletiva de recobrimento do edifício de arquitetura com tela sintética

14h-16h
CIDADE AMÉRICA: TERRITÓRIO, LIMITES E FRONTEIRAS
profs. Fernando Esposito (Cidade Aberta, Chile), Marcos Favero, Gabriel Duarte e Pierre Martin (South America Project-SAP)
mediador: Prof. Raul Correa-Smith

16h-19h
INTERVENÇÕES URBANAS EM SÃO PAULO: ARTE/CIDADE E CANTEIRO DE OPERAÇÕES
Nelson Brissac Peixoto, José Resende e Angelo Venosa 
mediadora: Profa. Ana Luiza Nobre

19h – 21h
LANÇAMENTO DO LIVRO ARTE/CIDADE, DE NELSON BRISSAC PEIXOTO, E FESTA DE ENCERRAMENTO

Local
PUC-Rio / Edifício IMA
R. Marquês de São Vicente, 225 – Gávea
Rio de Janeiro-RJ

Informações
serurbano2012@gmail.com
www.facebook.com/events/233436843450272/
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À atenção do futuro prefeito / O II Seminário Docomomo-Rio (núcleo local do International Committee for Documentation and Conservation of buildings, sites and neighbourhoods of the Modern Movement), realizado sexta passada no IAB, revelou uma preocupação geral com relação à precariedade dos acervos de arquitetura e urbanismo no Rio e a urgência de protegê-los, sobretudo em face dos processos de transformação urbana em curso. 

A discussão resultou na redação de um documento, a ser encaminhado às autoridades competentes, solicitando a criação de linhas de apoio e suporte destinadas especificamente a constituição, preservação e organização de acervos de arquitetura e urbanismo no Rio; a disponibilização do acervo documental da Secretaria Municipal de Urbanismo (antigo Arquivo de Irajá) e a criação de um museu de arquitetura na cidade.

O documento é assinado pela direção do IAB-RJ, do Docomomo-Brasil e do Docomomo-Rio, representantes de diversos acervos públicos e privados (Instituto Bardi, Casa de Lucio Costa, Fiocruz e FAU-UFRJ), arquitetos, professores e pesquisadores.

É uma iniciativa importante no sentido de chamar atenção para a necessidade de preservar a memória da arquitetura carioca e da cidade, ponto que tem escapado da pauta dos candidatos à eleição de domingo.
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Copa / Que espaços livres tem Copacabana, além da praia? O arquiteto Rogério Cardeman girou o bairro e descobriu-os muitas vezes escondidos no miolo de suas quadras. O resultado de sua pesquisa - originalmente apresentada como uma dissertação de Mestrado na FAU-UFRJ - é surpreendente, e está no livro "Por dentro de Copacabana. Descobrindo os espaços livres do bairro", que será lançado na próxima terça, dia 9, a partir das 19 hs na livraria Argumento (r. Dias Ferreira, Leblon). 


Posto 10 / out 12

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O arquiteto Pedro Évora é o vencedor do concurso para as instalações olímpicas de golfe, na Barra da Tijuca. Évora é sócio do escritório RUA e professor de Projeto na PUC-Rio.